O termo canibalismo, ou antropofagia, designa os rituais que envolvem o consumo de carne humana pelos indivíduos que participam da celebração. Trata-se de um costume praticamente extinto que, embora seja visto como um comportamento bárbaro, monstruoso e completamente irracional sob a perspectiva eurocêntrica, possuía enorme poder significativo para as culturas que o praticavam.
O sociólogo Florestan Fernandes foi responsável por um dos maiores trabalhos de observação da ocorrência dessa prática com os povos Tupinambás, uma sociedade guerreira de índios que abraçava o ritual do canibalismo como parte integrante de sua cultura.
A obra “A função social da guerra na sociedade Tupinambá”* aborda a guerra do ponto de vista dos Tupinambás, trazendo grande descrição acerca das armas usadas, as estratégias, os rituais e os objetivos pelos quais eles lutavam. O trabalho de Florestan Fernandes surgiu com o objetivo de contestar a noção vigente de que o ato da guerra fazia parte do instinto natural do homem. O sociólogo trabalhou para desconstruir essa ideia na medida em que mostrou que a guerra para os Tupinambás era um fato social, constituído de valor e sentido específicos e voltado geralmente para a vingança.
Nesse contexto, o ritual do canibalismo era o ápice de todo um processo que poderia durar meses ou anos. O prisoneiro de guerra era devorado por todos os integrantes da sociedade tupinambá, no entanto, não se “comia” o inimigo por sua carne ou para simplesmente se alimentar, mas sim em por seu espírito. O consumo da carne de um inimigo era feito em nome da obtenção de sua força, coragem e habilidade. Isso quer dizer que os guerreiros que eram devorados eram escolhidos por suas qualidades, enquanto os covardes não eram submetidos ao ritual, uma vez que seu espírito não era digno. Dentro do contexto da guerra, o ritual girava em torno da incorporação de espíritos animalescos, que ressaltavam características e habilidades de guerra, como a força e a destreza da onça.
A prática do canibalismo não se resumia apenas ao ato do consumo da carne humana. O prisioneiro era primeiramente inserido no meio social tupinambá, tratado com fartura de bebida e comida, recebia uma esposa e convivia em meio aos seus algozes durante meses ou mesmo anos. Por essa razão, Florestan Fernandes concluía que a prática tinha caráter propriamente social. O inimigo passava um pouco de si para o outro, tanto da parte de seus conhecimentos e habilidades adquiridas quanto de seu espírito no processo do consumo de sua carne. O processo da antropofagia girava entorno da busca pela absorção do conhecimento e do mundo do outro.
Referências:
*FERNANDES, F - A função social da guerra na sociedade Tupinambá - Editora Pioneira – 1970.
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