Segundo dados fornecidos pela OMS (Organização Mundial da Saúde), mais de 3 bilhões de pessoas em todo o mundo usam combustíveis sólidos como a madeira, o carvão vegetal, resíduos orgânicos de culturas e esterco para realizar atividades básicas como cozinhar alimentos e ferver água para ingerir. Isso é uma prática mais comum em países em desenvolvimento, principalmente porque as parcelas mais carentes da população possuem dificuldade de adquirirem botijões a gás, em virtude do seu alto custo.
No Brasil, a utilização de fogões a lenha sem chaminés é mais comum no Nordeste e em regiões rurais. Outros fatores que tornam essa prática ainda mais comum é a facilidade de se obter os combustíveis, principalmente a lenha, pela fama que esse tipo de fogão tem de atribuir melhor sabor à comida e também por aquecer as casas em tempos frios.
No entanto, a fumaça liberada por esses fogões tem provocado doenças respiratórias que causaram a morte de quatro milhões de pessoas anualmente nos países em desenvolvimento. Essa é a maior causa de morte nesses países, sendo maior até mesmo do que morte por doenças, como a malária. Isso acontece porque a queima de compostos orgânicos que compõem esses combustíveis sólidos libera em sua fumaça muitas substâncias tóxicas, como as que estão presentes na fumaça dos cigarros.
Um exemplo é quando ocorre a combustão incompleta desses materiais por não haver oxigênio suficiente ou quando há um grande número de átomos de carbono no combustível, consumindo grande quantidade de oxigênio com muita rapidez. Na combustão incompleta, liberam-se monóxido de carbono (CO) e água, além de poder liberar também fuligem (C(s)). O monóxido de carbono é um gás tóxico e pode combinar-se com as hemoglobinas de nosso sangue. Isso é perigoso porque as hemoglobinas deveriam combinar-se com o oxigênio e transportá-lo para as células do corpo, mas, em vez disso, os íons ferro (Fe2+) do sangue são mais fortemente atraídos pelo CO e, assim, a hemoglobina fica desativada, comprometendo a respiração da pessoa. Portanto, sem oxigênio, o cérebro é o primeiro a morrer e depois o restante do corpo.
Além do monóxido de carbono, a madeira libera em sua queima os HPAs (hidrocarbonetos policíclicos aromáticos) e seus derivados nitrados (nitro-HPAs) e oxigenados (oxi-HPAs), que são compostos que possuem dois ou mais anéis aromáticos condensados. O principal HPA liberado na combustão da madeira é o benzopireno, que possui cinco anéis condensados, como mostra a estrutura a seguir:
Assim como a grande maioria dos HPAs, o benzopireno é comprovadamente agente carcinogênico e mutagênico, o que significa que ele é capaz de reagir com nosso DNA e interferir na reprodução celular. Visto que essas substâncias são lipofílicas, ou seja, solúveis em gordura, eles podem ser absorvidos pela pele, por ingestão ou por inalação, distribuindo-se rapidamente em nosso organismo.
Além desses compostos mencionados, são liberados também outros hidrocarbonetos, óxidos sulfúricos, óxidos nitrogenados, formaldeído, entre outros, que também fazem mal à saúde.
Portanto, a fumaça liberada nos fogões a lenha ou a carvão está intimamente relacionada com o desenvolvimento de infecção aguda no trato respiratório, bronquite crônica, tuberculose, doença isquêmica do coração, câncer de laringe, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), entre outros. Das mortes mencionadas no início do texto, 44% ocorrem em virtude de pneumonia; 54%, por doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC); e 2%, por câncer de pulmão.
Entre os fatores que intensificam o mal causado por essa fumaça estão:
* Geralmente não há uma saída (chaminés) para a fumaça do fogão;
* Os fogões a lenha ficam dentro das casas que não são bem ventiladas;
* Os fogões são usados todos os dias e por longos períodos, tornando a exposição persistente e duradoura;
* Mulheres, crianças, idosos e pessoas doentes ficam dentro de casa por mais tempo e são as principais vítimas nesse caso.
Além de providências individuais, como instalar chaminés e construir o fogão a lenha fora de casa em local separado, a Fundação das Nações Unidas acaba de criar uma parceria público-privada com a finalidade de distribuir cem milhões de fogões até o ano de 2020. Isso ajudará não só a reduzir o número de mortes por inalação da fumaça, como também diminuirá a poluição ambiental e reduzirá o tempo que as mulheres passam cozinhando, podendo investir em sua educação e podendo trabalhar fora.