No intuito de dar ênfase ao assunto que ora emerge, observaremos o universo literário, tido como arte. Pois bem, mesmo tendo em mente que toda criação é fruto de concepções ideológicas, sendo estas reflexos de um contexto “social” como um todo, ela se materializa como sendo transfiguração do real, visto que do contrário não seria Literatura, mas sim um documentário, uma biografia.
Partindo de tal pressuposto, temos agora embasamento para discutir sobre o que vem a ser verossimilhança. Quando falamos em transfiguração do real, fazemos referência a um mundo imaginário, a algo criado pelo próprio artista. No entanto, não é porque a estória não é verdadeira que ela não deve possuir uma lógica, uma equivalência com a verdade.
Verossimilhança provém do latim verisimilis, cujo sentido se atém a “provável”, ou seja, a narrativa precisa ser constituída de um universo possível, no intuito de provocar no leitor a sensação de que algo pode realmente existir, acontecer. Assim, os fatos não precisam corresponder de forma exata ao universo exterior, mas necessariamente precisam ser verossímeis, semelhantes à realidade.
Com base nesse aspecto, podemos afirmar que a ficção, de uma forma geral, apresenta dois aspectos básicos, sendo estes:
* Verossimilhança externa – Trata-se daquilo que é aceito pelo senso comum, tido como possível, provável.
* Verossimilhança interna – Caracteriza-se pela coerência narrativa, ou seja, pela sequência temporal dos fatos. Esses, por sua vez, devem suceder temporalmente, isto é, uma causa (um fato), desencadeia uma consequência, dando origem a novos fatos e assim sucessivamente. Quando essa sucessão, por um motivo ou outro, se torna contraditória, constata-se que a narrativa adquiriu um aspecto inverossímil.
No intuito de verificarmos como a inverosimilhança externa pode se manifestar, atentemo-nos a dois exemplos, retratados a seguir:
- As narrativa fantásticas, muito bem representadas por Murilo Rubião, Franz Kafka, José J. Veiga, entre tantos outros, por meio de uma atmosférica ilógica trabalham a questão do inverossímil. Analisemos alguns fragmentos extraídos da obra de José J. Veiga, “A hora dos ruminantes”:
Frequentemente surgiam brigas, e seus estremecimentos repercutiam longe, derrubavam paredes distantes e causavam novas brigas, até que os empurrões, chifradas, ancadas forçassem uma arrumação temporária. O boi que perdesse o equilíbrio e ajoelhasse nesses embates não conseguia mais se levantar, os outros o pisavam até matar, um de menos que fosse já folgava um pouco o aperto – mas só enquanto os empurrões vindos de longe não restabelecessem a angústia.
[...]
- Outro exemplo pode ser evidenciado por meio de um fato bastante interessante: imaginemos que os fatos de uma narrativa qualquer se desenrolem nos anos 1960, em um contexto que apresenta telefones celulares, e tantas outras tecnologias com as quais atualmente convivemos. Seria um pouco improvável, não é verdade?