Atendo-nos ao discurso proferido por Oswald de Andrade em uma das muitas criações que nos deixou, constatamos os subsídios necessários para reforçar ainda mais a discussão que ora nos propusemos a travar. Ei-la, portanto:
Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
Oswald de Andrade
Os cinco últimos versos do poema deixam evidenciado o fato de que fazemos uso da linguagem em situações coloquiais, rotineiras, nas quais, muitas vezes, prevalece o tom informal. Tudo se trata de uma adequação ao contexto em que estamos inseridos, obviamente. No entanto, os discursos que criamos também se manifestam em circunstâncias que requerem o bom e correto uso do padrão formal da linguagem, fato esse de que não podemos nos esquecer.
Dessa forma, consoante o que nos preconizam os postulados gramaticais, o uso de pronome átono no início de orações representa uma inadequação linguística, razão pela qual o último verso - “me dá um cigarro”- tão bem ilustra o fato em questão. Nesse sentido, “dê-me um cigarro” seria a forma pela qual deveríamos nos pautar, haja vista que tal retificação representaria a tão necessária adequação à norma culta da linguagem.
Outra criação artística, agora representada por uma letra musical, dá-nos conta de que a ocorrência em estudo se manifesta de forma recorrente. Atestemos, portanto, alguns fragmentos:
Cotidiano
Todo dia ela faz tudo sempre igual:
Me sacode às seis horas da manhã,
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã.
[...]
Chico Buarque
As manifestações neles se evidenciam por meio do segundo e terceiro verso: “me sacode” e “me sorri”, nos quais constatamos o uso da próclise, mas que no entanto o correto seria o uso da ênclise, ou seja: sacode-me e sorri-me. Dessa forma, vale ressaltar que por se tratar de criações de natureza artística, os “desvios” que porventura se fizerem presentes são considerados aceitáveis, haja vista que se trata do que chamamos de licença poética, concedida a todo escritor, enfim.
Mas lembre-se de que em se tratando de circunstâncias específicas de interlocução, o correto é não fazermos uso de pronome átono no início de orações. Contudo, pode ser que a intenção do emissor fosse deixar que a posição desse pronome permanecesse a mesma, sem, contudo, maltratar nosso idioma. Situação essa que pode ser contornada mediante o uso de um pronome pessoal do caso reto antes dele, o que, sintaticamente dizendo, representaria o sujeito da oração. Assim, em vez de “me sacode às seis horas da manhã, o ideal seria “ela me sacode às seis horas da manhã.”