Poesia-práxis

Mário Chamie – um dos representantes da poesia-práxis
Mário Chamie – um dos representantes da poesia-práxis

Paralelamente à poesia concreta (fazer link com vistas a promover o relacionamento de ideias),surgiu a chamada poesia-práxis. Nela atestamos marcas significativas que a diferenciam da poesia concreta, sendo possível observar a diversidade que há entre os posicionamentos ideológicos que tanto demarcaram tais poesias. Observe a comparação que estabeleceremos entre os poemas a seguir:

Poesia de Augusto de Campos, da série poetamenos
Poesia de Augusto de Campos, da série poetamenos

Plantio

Cava,
então descansa.
Enxada; fio de corte corre o braço
de cima
e marca: mês, mês de sonda.
Cova.

Joga,
então não pensa.
Semente; grão de poda larga a palma
de lado
e seca; rês, rês de malha.
Cava.

Calca
e não relembra.
Demência; mão de louco planta o vau
de perto
e talha: três, três de paus.
Cova.

Molha
e não dispensa.
Adubo; pó de esterco mancha o rego
de longo
e forma: nó, nó de resmo.
Joga.

Troca,
então condena.
Contrato; quê de paga perde o ganho
de hora
e troça: mais, mais de ano.
Calca.

Cova:
e não se espanta.
Plantio; fé e safra sofre o homem
de morte
e morre: rês, rés de fome
cava.

                                          Mário Chamie

Em relação ao primeiro poema, inferimos que o autor explora muito mais o visual. Além de estabelecer um jogo sonoro, visual e semântico, realiza um trabalho especial com as palavras, utilizando-se de alguns fonemas, representados pelo /f/, /v/ e /n/. Tem-se, assim, o poema-objeto, fruto da matéria propriamente dita, cuja finalidade se resume tão somente ao ato de ver e ler, ora conjugado de forma simultânea.

As características do segundo poema estão voltadas mais para o conteúdo do que para a forma (como ocorreu na poesia concreta) propriamente dita. E foi justamente dessa forma que ocorreu na poesia-práxis, isto é: como repúdio ao formalismo cultuado pelos poetas do Concretismo, a poesia-práxis permitiu com que o poema, em vez de se apresentar como um objeto de natureza fechada, evidenciasse como algo transformável, haja vista que permite ao leitor participar, interferir e manipular por meio das interpretações realizadas através da leitura. Como resposta a tal pressuposto, voltando ao segundo poema, o ato de plantar representa metaforicamente o ato de viver, materializado, também, por um processo contínuo. Essa vertente tem dois representantes principais: Mário Chamie, autor já retratado, e Cassiano Ricardo.

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A título de reforçar ainda mais os novos posicionamentos exaltados com essa nova forma de fazer poesia, observe um diálogo estabelecido entre Mário Chamie e José Castello, por ocasião de uma entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, datada de 19/06/01:

Estado -Em que medida as ideias da chamada Instauração Práxis ainda são atuais? Em que medida os conceitos que desenvolve ainda podem operar e influir na poesia brasileira de hoje?

Mário Chamie -Movimentos e escolas literárias tendem a ser datados com o passar do tempo. A Práxis se caracterizou por combater escolas e movimentos. Ela trouxe ao debate das vanguardas, entre nós, algumas formulações críticas e criativas opostas a sistemas fechados de doutrinas estéticas. Por isso, o seu alvo principal, nos anos 60, foi o concretismo, então modelo de autoritarismo poético. Todo autoritarismo é ortodoxo e sectário. O concretismo, enquanto movimento centralizador, nasceu sob o império do controle, já a partir do seu manifesto nuclear, o chamado Plano-Piloto. Para Práxis, a palavra poética nunca é refém de uma teoria prévia. A liberdade de sua criação é, em si, uma heterodoxia ativa. Quando o poeta, no exercício dessa liberdade, encontra ou inventa a sua palavra, ele não precisa pedir a bênção consensual ao receituário de nenhum plano preestabelecido. Daí porque Práxis não é um episódio datado na história de nossa literatura. Sua presença combativa impediu que, nos anos 60, fosse imposto um discurso hegemônico e exclusivista à nossa poesia. Isso preparou o terreno e legitimou a pluralidade de alternativas de nossa produção artística, dos anos 70 até hoje. Antônio Candido sintetizou muito bem essa legitimação ao escrever: "A Poesia Práxis recuperou o verso de maneira renovada e intensificou a referência às circunstâncias do mundo".

Fonte: http://www.revista.agulha.nom.br/disseram36.htm

Por: Vânia Maria do Nascimento Duarte

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