A ironia é um efeito resultante do emprego de uma palavra ou expressão que, numa dada situação, adquire significação contrária ou diversa da que habitualmente é utilizada. Essa figura de linguagem pode ser materializada verbalmente, ou seja, por meio do uso da palavra, seja ela oral, seja escrita, e ainda pode ser verificada em determinadas ocorrências cujos desdobramentos se opõem ao que se esperava deles, causando, portanto, uma surpresa no interlocutor ou leitor.
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O que é ironia?
Ironia é uma figura de linguagem cuja origem remonta à palavra grega eironéia e ao vocábulo latino ironia. Tal recurso estilístico é pautado numa manifestação contrária em relação ao que o enunciador está pensando ou experienciando a fim de diminuir a intensidade do pudor que esse sente diante de si ou de algumas situações ou mesmo para depreciar indiretamente outra pessoa, assim carrega um teor crítico, o qual flerta com o humor.
Há que ressaltar, entretanto, que o interlocutor consegue compreender essa oposição entre intenção e exteriorização a partir da observância da entonação ou do contexto em que estão inseridos a fala, o gesto ou a escrita.
Exemplos:
“A excelente D. Inácia era mestra na arte de judiar das crianças.” (Monteiro Lobato)
Percebe-se que o narrador, ao afirmar que a personagem é ótima, incorre numa ironia, tendo em vista que alguém que tem o costume de maltratar seres infantis não pode ser dotada de tal característica.
“Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis.” (Machado de Assis)
A configuração apresentada pelo narrador vai de encontro com a concepção de amor que circula em nossa sociedade, já que é um sentimento despido de interesse. Nesse sentido, entende-se que ela, na verdade, apenas se manteve com ele enquanto havia dinheiro envolvido, então o uso do termo amor constitui uma ironia.
Tipos de ironia
A ironia pode se distinguir de acordo com o canal utilizado para expressá-la. Dessa forma, tem-se essa figura de linguagem na forma verbal e na situacional.
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Ironia verbal
Nesse caso, a ironia depende da língua, isto é, do sistema de símbolos sonoros e escritos arbitrários (escolhidos ao acaso, mas cristalizados). Esses, quando combinados e, portanto, utilizados para a comunicação, marcam os lugares socioideológicos assumidos pelos sujeitos envolvidos.
Dessa forma, o discurso verbal, ao se revestir de ironia, expressa a fala ou a escrita de um sujeito que, além de normalmente ter um conhecimento maior dos manejos linguísticos, ainda não assume totalmente o que enuncia, já que se esconde por trás de uma linguagem conotativa, ou seja, cujo sentido não corresponde ao real, dificultando o entendimento por todos.
Exemplo:
Moça linda, bem tratada,
Três séculos de família,
Burra como uma porta:
Um amor!
(Mario de Andrade)
O eu lírico utiliza a linguagem para caracterizar, inicialmente, uma moça que possui atributos tidos como positivos, por exemplo, ser dotada de beleza, estar inserida numa família tradicional, no entanto, rompe com a lógica discursiva, já que a associa a uma porta devido à falta de inteligência.
Diante disso, o leitor cria uma expectativa no sentido de que o eu lírico mostre mais aspectos negativos dela, mas é surpreendido com um elogio. Esse, porém, é falso e constitui, na verdade, uma manifestação irônica, entendida por causa do contexto de aparente incongruência entre os versos do poema.
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Ironia situacional
Essa espécie de figura de palavra consiste no deslocamento contextual em uma certa ocasião, na qual se projeta, levando em consideração os parâmetros lógicos e a vivência do interlocutor, um dado comportamento, mas outro acontece, surpreendendo quem está diante da situação. Assim, nessa ironia, é imprescindível que haja uma ação que independe do discurso oral.
Exemplo:
1- Maria diz: “Pior do que está, não vai ficar”.
Pouco tempo depois, uma forte chuva cai e leva consigo as telhas da casa dela.
Veja que a ironia reside no acontecimento que contraria a fala de Maria.
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Exercícios resolvidos
Questão 1 – (Uece 2008)
O BARBEIRO
01 Perto de casa havia um barbeiro, que me
02 conhecia de vista, amava a rabeca e não
03 tocava inteiramente mal. Na ocasião em que ia
04 passando, executava não sei que peça. Parei
05 na calçada a ouvi-lo (tudo são pretextos a um
06 coração agoniado), ele viu-me, e continuou a
07 tocar. Não atendeu a um freguês, e logo a
08 outro, que ali foram, a despeito da hora e de
09 ser domingo, confiar-lhe as caras à navalha.
10 Perdeu-os sem perder uma nota; ia tocando
11 para mim. Esta consideração fez-me chegar
12 francamente à porta da loja, voltado para ele.
13 Ao fundo, levantando a cortina de chita que
14 fechava o interior da casa, vi apontar uma
15 moça trigueira, vestido claro, flor no cabelo.
16 Era a mulher dele; creio que me descobriu de
17 dentro, e veio agradecer-me com a presença o
18 favor que eu fazia ao marido. Se me não
19 engano, chegou a dizê-lo com os olhos.
20 Quanto ao marido, tocava agora com mais
21 calor; sem ver a mulher, sem ver fregueses,
22 grudava a face no instrumento, passava a
23 alma ao arco, e tocava, tocava…
24 Divina arte! Ia-se formando um grupo,
25 deixei a porta da loja e vim andando para
26 casa; enfiei pelo corredor e subi as escadas
27 sem estrépito. Nunca me esqueceu o caso
28 deste barbeiro, ou por estar ligado a um
29 momento grave de minha vida, ou por esta
30 máxima, que os compiladores podiam tirar
31 daqui e inserir nos compêndios da escola. A
32 máxima é que a gente esquece devagar as
33 boas ações que pratica, e verdadeiramente
34 não as esquece nunca. Pobre barbeiro! Perdeu
35 duas barbas naquela noite, que eram o pão do
36 dia seguinte, tudo para ser ouvido de um
37 transeunte. Supõe agora que este, em vez de
38 ir-se embora, como eu fui, ficava à porta a
39 ouvi-lo e namorar-lhe a mulher; então é que
40 ele, todo arco, todo rabeca, tocaria
41 desesperadamente. Divina arte!
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro – obra completa – vol. I, Aguilar, 2a ed. 1962.
O texto termina com a expressão “Divina arte!” (linha 41), cuja carga semântica revela
A) admiração.
B) amargura.
C) desespero.
D) ironia.
Resolução
Alternativa D, pois a expressão "Divina arte!", ao final do texto, expressa uma ironia em relação à atitude do próprio barbeiro, que, ao embeber-se de sua música, esquece-se de seus clientes, sacrificando seu sustento, e ainda nem percebe que sua esposa está sendo alvo de interesse de outro.
Questão 2 – (Uerj 2018) Esta questão refere-se ao romance “A hora da estrela”, de Clarice Lispector.
“Um outro escritor, sim, mas teria que ser homem porque escritora mulher pode lacrimejar piegas.”
Considerando que o romance é de Clarice Lispector, pode-se inferir que a frase do narrador é irônica. Essa ironia está baseada na:
A) relativização da opressão.
B) inclinação ao universal.
C) sofisticação da escrita.
D) crítica ao machismo.
Resolução
Alternativa D, pois a escritora, na condição de mulher, utiliza a personagem para falar o contrário do que acredita, ou seja, que, na escrita feminina, prevalece a pieguice. Clarice, portanto, vale-se da ironia.