Nas nossas interações cotidianas, estamos sempre fazendo alusões a uma ideia dita por outrem, a um fato ocorrido, a um modismo expresso pela mídia, enfim, muitas são as circunstâncias nas quais tal aspecto se faz predominante. Assim, o exemplo a seguir ilustra bem essa questão, observe:
Bom Conselho
Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança
Venha, meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar
Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade
Chico Buarque
No exemplo acima, atestamos várias passagens que remetem, que aludem a alguns provérbios, contudo, sob a própria ótica do autor, que, diga-se de passagem, é um renomado artista. Nesse sentido, constatamos que ele atribuiu ao discurso que criou um novo sentido, tendo com base o discurso-matriz, original.
Chamamos a isso de intertextualidade.
Agora, analisemos, pois, estes outros exemplos:
Canção do exílio
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Gonçalves Dias
Minha terra não tem palmeiras…
E em vez de um mero sabiá,
Cantam aves invisíveis
Nas palmeiras que não há.
Minha terra tem refúgios,
Cada qual com a sua hora
Nos mais diversos instantes …
Mas onde o instante de agora?
Mas a palavra “onde”?
Terra ingrata, ingrato filho,
Sob os céus de minha terra
Eu canto a Canção do Exílio.
Mário Quintana
Canção do Exílio Facilitada
lá?
ah!
sabiá…
papá…
maná…
sofá…
sinhá…
cá?
bah!
José Paulo Paes
Há de constatar que entre o texto de Mário Quintana e o texto de José Paulo Paes existe uma relação intertextual, contudo, tal aspecto não se manifesta somente por meio de fragmentos existentes no texto-matriz. Afirmamos que a intenção de ambos os autores foi um pouco mais além, haja vista que o diálogo estabelecido faz referência, também, a toda uma situação de produção, levando em conta o contexto histórico, cultural e político referente à era pós-modernista, contemporânea, por excelência.
Dessa forma, identificamos uma postura ideológica mais voltada para a crítica à realidade circundante. Aquela exaltação às belezas da Pátria, significativamente impressa nas palavras de Gonçalves Dias, choca-se, contrapõe-se quando expressas diante da visão de Mário Quintana e de José Paulo Paes. Cabe afirmar, portanto, que essa ocorrência é um caso de interdiscursividade.
Aproveite para conferir a nossa videoaula relacionada ao assunto: