Falar sobre intertextualidade significa, sobretudo, fazer alusão aos diferentes diálogos traçados nas distintas formas de discurso, sejam eles retratados por meio da linguagem verbal, sejam por meio da não verbal, ou ainda por meio das artes de uma forma geral. Dessa forma, falando nas artes, o que nos motivou a travar com você essa importante discussão foi exatamente essa ocorrência manifestada nas vozes de Casimiro de Abreu e de Oswald de Andrade, em dois poemas distintos, demarcados pelos “Meus oito anos” (século XIX) e “Meus oito anos”(século XX).
Assim, equivale dizer que essa relação intertextual, uma vez materializada pela paródia, manifesta-se por meio de uma crítica, norteada por um tom subversivo. Nesse sentido, analisemo-los, atribuindo-lhes os aspectos de cunho relevante:
Meus oito anos (Casimiro de Abreu)
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!
Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
— Pés descalços, braços nus —
Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
[...]
“MEUS OITO ANOS” (Oswald de Andrade)
Oh que saudades que eu tenho
Da aurora de minha vida
Das horas
De minha infância
Que os anos não trazem mais
Naquele quintal de terra
Da Rua de Santo Antônio
Debaixo da bananeira
Sem nenhum laranjais
Eu tinha doces visões
Da cocaína da infância
Nos banhos de astro-rei
Do quintal de minha ânsia
A cidade progredia
Em roda de minha casa
Que os anos não trazem mais
Debaixo da bananeira
Sem nenhum laranjais"
Constatamos que esse entrelaçar de ideias existente entre os dois poetas se dá norteado por uma carga ideológica bastante presente, uma vez que Casimiro de Abreu, pertencente ao Romantismo, explora a questão voltada para o camuflar da realidade, envolta num clima de magia, beleza, encantamento. Outro aspecto diz respeito ao exaltar da natureza, das belezas da terra, no caso fazendo referência ao Brasil, expressa por meio dos versos:
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Voltando nosso olhar para as palavras expressas por Oswald de Andrade, constatamos que por pertencer à época do Modernismo, ele faz um retrato falado da realidade aqui existente, ou seja, fala das condições políticas, sociais e econômicas pelas quais perpassava a situação circundante naquela época, tais como o crescimento desordenado das cidades, entre outros aspectos. Daí concluímos as reais circunstâncias que se atribuem ao tom irônico.
Aproveite para conferir a nossa videoaula relacionada ao assunto: