Fernando Pessoa é um dos mais importantes poetas de língua portuguesa. Sua genialidade em fazer uma obra poética extremamente dinâmica, o que é perceptível na multiplicidade de estilos personificada em seus inúmeros heterônimos, influenciou muitos poetas portugueses e de outras nacionalidades no início do século XX.
Sua inventividade e criatividade eram tantas que Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, criações de sua mente, são vistos como entidades autônomas, pois expressam estilos totalmente diferentes entre si e quando comparados com o estilo do próprio Fernando Pessoa.
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Tópicos deste artigo
- 1 - Biografia de Fernando Pessoa
- 2 - Estilo literário de Fernando Pessoa
- 3 - Principais obras de Fernando Pessoa
- 4 - Heterônimos de Fernando Pessoa
- 5 - Frases de Fernando Pessoa
Biografia de Fernando Pessoa
Fernando Antonio Nogueira Pessoa, conhecido no meio literário como Fernando Pessoa, nasceu no dia 13 de junho de 1888, em Lisboa, no Largo de São Carlos. Foi o primeiro filho do casal Joaquim de Seabra Pessoa e Maria Madalena Pinheiro Nogueira Pessoa. Sua família paterna, os Pessoa, pertencia à nobreza portuguesa e tinha direito a brasão. Fernando Pessoa, portanto, teve uma educação refinada, sendo instruído no francês, inglês e alemão, algo extremamente aristocrático na época, além de, desde muito cedo, ter constante contato com a leitura literária.
Apesar de ter conforto material e acesso a uma educação privilegiada, Fernando Pessoa, em sua infância, também passou por situações trágicas. Em 13 de julho de 1893, quando tinha apenas 6 anos de idade, seu pai morreu de tuberculose. Viúva, sua mãe decidiu mudar com Fernando Pessoa e com o outro filho, Jorge, para uma casa mais simples. Uma outra perda abalaria seu núcleo familiar: em 2 de janeiro de 1894, morreu seu irmão Jorge, que tinha apenas 1 ano de idade.
Em 30 de dezembro de 1895, sua mãe se casou com o comandante João Miguel Rosa, com quem teve mais cinco filhos. Após o casamento, passaram a viver, por longos anos, em Durban, na África do Sul, onde o padrasto de Fernando Pessoa exercia as funções de cônsul interino.
Aos 16 anos, Fernando Pessoa era um adolescente recolhido em sua interioridade, pois se sentia afastado de sua mãe, que se via envolta com as demandas dos outros cinco filhos e de seu esposo. Fernando Pessoa também sofreu com a saudade de sua terra natal e com a ausência do pai, que precocemente faleceu. Nesse contexto de ressentimentos, Pessoa teve como meio de escape o universo da literatura, onde descobriu sua vocação para as letras.
Aos 18 anos, regressou a Lisboa a fim de se matricular no Curso Superior de Letras, que não concluiu. Nesse período ele se aproximou dos ideais da Renascença Portuguesa, momento em que passou a conviver com um grupo de intelectuais mais velho que ele. Porém, por causa de algumas críticas que fez aos escritores da Renascença, ele se afastou desse movimento. Aproximou-se, então, de um grupo de intelectual mais jovem, composto por escritores vanguardistas contrários aos ideais da Renascença: Mário de Sá-Carneiro, Santa-Rita Pintor, Raul Leal e Antonio Ferro.
Foi nesse período, entre 1914 e 1915, de convívio com escritores de vanguarda e de ataque à Renascença lusitana que Fernando Pessoa iniciou o processo de composição de seus heterônimos, sendo o primeiro deles Alberto Caeiro. Em seguida, foram construídos Ricardo Reis, Álvaro de Campos e outros.
Em abril de 1915, Fernando Pessoas e seus amigos publicaram a revista Orpheu, destinada a congregar um grupo de artistas que tinha o mesmo ideal. Só foram publicados dois números, pois era uma revista muito polêmica e que marcava o surgimento do Modernismo em Portugal.
Em 1924, Fernando Pessoa lançou a revista Athena, com duração de cinco números. No período de 1925 a 1934, o poeta se recolheu cada vez mais em sua casa. Passou a se interessar por política, misticismo, ocultismo e sociedades secretas, como a maçonaria e a Rosa-Cruz. Paralelamente ao trabalho intelectual, trabalhou em escritórios comerciais. Em dezembro de 1934, aos 46 anos, recebeu o Prêmio Antero de Quental pelo livro Mensagem.
Nos últimos anos de sua vida, viveu cada vez mais solitário, tendo no álcool um elemento anestesiador. No dia 27 de novembro de 1935, teve uma grave crise hepática, vindo a falecer em 30 de novembro, três dias após ter sido levado para o hospital. Morreu aos 47 anos.
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Estilo literário de Fernando Pessoa
A obra de Fernando Pessoa é extremamente dinâmica, afinal cada heterônimo tem um estilo de composição poética distinto entre si e distinto do próprio estilo de seu criador. Em relação à poesia ortônima, ou seja, aquela assinada pelo próprio Fernando Pessoa, observa-se a recorrência das seguintes características:
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uso da metalinguagem;
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tom mais subjetivo e intimista;
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temas ligados à história de Portugal.
Principais obras de Fernando Pessoa
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Mensagem (1934)
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Livro do Desassossego (1982)
→ Mensagem
Esse foi o único livro de poemas em língua portuguesa publicado durante a vida de Fernando Pessoa. Publicado em 1934, essa obra é constituída por 44 poemas, compostos entre julho de 1913 e março de 1934. Os poemas são agrupados em três partes, as quais representam as três etapas do Império Português:
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Nascimento;
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Realização;
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Morte, seguida de um renascimento.
Mensagem é, portanto, uma homenagem do poeta à sua pátria em que revê a história do seu país, passando pelo mito de fundação de Lisboa por Ulisses, personagem de Homero, pela época das navegações, pelos diversos monarcas e figuras importantes da corte, pelo mito do Sebastianismo e do Quinto Império.
Além dessas referências mitológicas e históricas, Fernando Pessoa também construiu essa obra à luz de sua crença esotérica, o que se observa na estrutura do livro, já que a quantidade de poemas e os números das partes que o constituem são numerações caras à crença do poeta. Em relação à forma, Mensagem revisita o estilo épico, mas de modo a atualizar essa forma, dando-lhe um tom modernista. É desse livro o poema “Mar português”, um dos mais famosos de Fernando Pessoa.
Mar português
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Nesse poema, Fernando Pessoa expressa a consciência da grandiosidade da empreitada marítima dos portugueses rumo a outros territórios. Essa glória, motivo de orgulho aos lusitanos, também representou muitas perdas, muitas dores, o que é poeticamente representado pelos famosos versos iniciais do poema: “Ó mar salgado, quanto do teu sal/ São lágrimas de Portugal!”. Outra passagem famosa desse poema, talvez um dos versos mais citados de Fernando Pessoa, é o início da segunda estrofe: “Tudo vale a pena/ Se a alma não é pequena”.
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Heterônimos de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa escreveu em seu próprio nome, mas se destacou mundialmente por construir heterônimos, ou seja, personagens com biografia, personalidade, pensamento e estilo próprios, muitas vezes antagônicos entre si, o que expressa a genialidade plural de Pessoa.
Os biógrafos e estudiosos do poeta português identificam mais de 100 heterônimos, no entanto os principais são três: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Conheça um pouco desses três poetas criados por Fernando Pessoa.
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Alberto Caeiro
A esse heterônimo Fernando Pessoa atribuiu a data de nascimento ao ano de 1889, em Lisboa. Porém, apesar de ter nascido na capital portuguesa, viveu quase toda a sua vida no campo, onde morreu tuberculoso em 1915. Órfão de pai e mãe muito cedo, não teve profissão na fase adulta, tendo somente a educação primária.
Vivia de pequenos rendimentos com sua tia-avó. Fernando Pessoa atribuiu-lhe uma estatura média, cara rapada, um tom de cabelo louro e olhos azuis. Em termos literários, era um poeta bucólico e adepto do paganismo. Sua principal obra intitula-se O Guardador de Rebanhos.
Quando vier a Primavera
Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
(O guardador de rebanhos)
O tom bucólico, ou seja, que ressalta as sensações suscitadas pelo contato entre o homem e a natureza, marca de Alberto Caeiro, manifesta-se ao longo desse poema. Além da constante referência a elementos da natureza, esse poema também manifesta a simplicidade da linguagem e do estilo de Caeiro, o que se observa no vocabulário sem termos rebuscados ou tidos como cultos.
O paganismo, outra marca desse heterônimo, também se faz presente, postura que pode ser depreendida nos quatro últimos versos que fecham o poema, momento em que o poeta expressa sua indiferença ao porvir depois da morte.
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Ricardo Reis
Esse heterônimo tem seu nascimento atribuído ao ano de 1887, no Porto. Sua escolarização ocorreu em um colégio de jesuítas. Formou-se em medicina e desde 1919 vivia no Brasil. Era moreno e tinha a cara rapada. Expatriou-se de Portugal por ser monárquico.
Tinha uma formação clássica, sendo estudioso de latim e da cultura grega. Era discípulo de Alberto Caeiro, de quem herdou o paganismo. Fernando Pessoa colocou nesse heterônimo muita disciplina mental.
Nada fica de nada. Nada somos.
Nada fica de nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese
Da húmida terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.
Leis feitas, estátuas vistas, odes findas —
Tudo tem cova sua. Se nós, carnes
A que um íntimo sol dá sangue, temos
Poente, porque não elas?
Somos contos contando contos, nada.
(Poemas de Ricardo Reis)
Nesse poema, nota-se uma das principais características da poesia de Ricardo Reis: o estilo refinado que denota sua formação clássica. Além desse teor voltado à erudição, observa-se também um teor pagão no modo como aborda a finitude da vida e a consciência de que, após a morte, só resta ao homem a cova. Esse paganismo, manifesto na obra de Ricardo Reis, é resultado da convivência com seu mestre: Alberto Caeiro.
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Álvaro de Campos
Nasceu em 15 de outubro de 1890, em Tavira, Portugal. Era engenheiro naval, alto, magro, entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo liso e normalmente apartado ao lado. Teve educação primária no liceu, ingressando, posteriormente, no curso de engenharia na Escócia. Aprendeu latim com um tio que era padre. Surgiu em oposição a Ricardo Reis, pois eram muito diferentes, apesar de também ser discípulo do heterônimo Alberto Caeiro. Suas poesias expressam uma visão de mundo extremamente pessimista.
Ah! Ser indiferente!
Ah! Ser indiferente!
É do alto do poder da sua indiferença
Que os chefes dos chefes dominam o mundo.
Ser alheio até a si mesmo!
É do alto do sentir desse alheamento
Que os mestres dos santos dominam o mundo.
Ser esquecido de que se existe!
É do alto do pensar desse esquecer
Que os deuses dos deuses dominam o mundo.
(Não ouvi o que dizias…
ouvi só a música, e nem a essa ouvi…
Tocavas e falavas ao mesmo tempo?
Sim, creio que tocavas e falavas ao mesmo tempo…
Com quem?
Com alguém em quem tudo acabava no dormir do mundo…
(Livro de versos)
Nesse poema, observam-se características marcantes da poesia de Álvaro de Campos, como o pessimismo, a falta de esperança, a descrença, a ironia e o tom crítico com que formula sua mensagem poética. O homem, nesse poema, é vítima de si mesmo ao deixar-se guiar pela própria indiferença.
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Frases de Fernando Pessoa
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“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.”
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“Haja ou não deuses, deles somos servos.”
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“Tenho em mim todos os sonhos do mundo.”
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“A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo.”
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“Minha Pátria é minha língua. Pouco se me dá que Portugal seja invadido, desde que não mexam comigo.”
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“Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”
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“Navegar é preciso; viver não é preciso.”
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“Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho.”
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“Às vezes, ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.”
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“Não sou do tamanho da minha altura, mas da estatura daquilo que posso ver.”
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