Carlos Drummond de Andrade é considerado pela crítica literária como o maior poeta brasileiro do século XX. Até sua morte, em agosto de 1987, era tido como o maior poeta vivo dos países de língua portuguesa, epíteto compartilhado com importantes nomes, entre eles Luís de Camões e Fernando Pessoa. A alcunha não foi oferecida para o escritor por acaso: Drummond é uma unanimidade quando o assunto é qualidade literária.
Poucos foram os poetas capazes de refletir poeticamente as inquietações de uma época. A riqueza de seus escritos (não foi apenas poeta, foi exímio cronista e contista) desperta a atenção de leitores e a investigação dos estudiosos da literatura, interessados, principalmente, em sua obra poética, pois foi na poesia que Drummond mais se destacou. Sua extensa obra costuma ser dividida em pelo menos quatro diferentes fases: a fase gauche (década de 1930), fase social (1940-45), fase do “não” (1950 e 1960) e a fase da memória (décadas de 1970 e 1980).
Para que você conheça um pouco mais sobre cada momento da carreira literária do nosso “poeta de sete faces”, o Alunos Online selecionou cinco poemas de Carlos Drummond de Andrade que representam cada uma das fases de sua obra poética. Esse é o nosso convite para que você possa conhecer o que há de melhor na moderna poesia brasileira. Esperamos que a leitura dos versos drummondianos desperte em você a vontade de conhecer outras preciosidades desse grande poeta. Boa leitura!
Primeira fase ou fase gauche (década de 1930):
Canção amiga
Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.
Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não se veem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.
Eu distribuo um segredo
como quem anda ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.
Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.
Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.
Segunda fase ou fase social (1940-45):
Salário
Ó que lance extraordinário:
aumentou o meu salário
e o custo de vida, vário,
muito acima do ordinário,
por milagre monetário
deu um salto planetário.
Não entendo o noticiário.
Sou um simples operário,
escravo de ponto e horário,
sou caxias voluntário
de rendimento precário,
nível de vida sumário,
para não dizer primário,
e cerzido vestuário.
Não sou nada perdulário,
muito menos salafrário,
é limpo meu prontuário,
jamais avancei no Erário,
não festejo aniversário
e em meu sufoco diário
de emudecido canário,
navegante solitário,
sob o peso tributário,
me falta vocabulário
para um triste comentário.
Mas que lance extraordinário:
com o aumento de salário,
aumentou o meu calvário!
Terceira fase ou fase do “não” (1950 e 1960):
Soneto da perdida esperança
Perdi o bonde e a esperança.
Volto pálido para casa.
A rua é inútil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.
Vou subir a ladeira lenta
em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
princípio do drama e da flora.
Não sei se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
por que não? na noite escassa
com um insolúvel flautim.
Entretanto há muito tempo
nós gritamos: sim! ao eterno.
Fase final ou fase da memória (décadas de 1970 e 1980):
A falta que ama
Entre areia, sol e grama
o que se esquiva se dá,
enquanto a falta que ama
procura alguém que não há.
Está coberto de terra,
forrado de esquecimento.
Onde a vista mais se aferra,
a dália é toda cimento.
A transparência da hora
corrói ângulos obscuros:
cantiga que não implora
nem ri, patinando muros.
Já nem se escuta a poeira
que o gesto espalha no chão.
A vida conta-se, inteira,
em letras de conclusão.
Por que é que revoa à toa
o pensamento, na luz?
E por que nunca se escoa
o tempo, chaga sem pus?
O inseto petrificado
na concha ardente do dia
une o tédio do passado
a uma futura energia.
No solo vira semente?
Vai tudo recomeçar?
É a falta ou ele que sente
o sonho do verbo amar?
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