Sentimo-nos honrados em falar sobre essa figura magistral, que tão bem representou o cenário de nossas letras. Não é à toa que ele é considerado o maior poeta brasileiro do século XX – sendo, para muitos, o maior de todos eles. Lembra-se da “pedra no meio do caminho”? Pois bem, “pedra” para esse nobre poeta em nada se assemelhava à ideia de obstáculo (em se tratando da vastidão da sua obra, não como temática dela), haja vista que, em razão da imensidão de sua capacidade artística, sua obra, para os estudiosos, subdivide-se em três vertentes, tendo em vista a posição que ele se colocava diante da realidade circundante.
Carlos Drummond de Andrade nasceu em 1902, em Itabira, Minas Gerais. Cursou o primário, ginásio e o colegial entre Itabira, Belo Horizonte e Nova Friburgo. Aos 18 anos se transferiu com a família para Belo Horizonte e, no ano seguinte, conheceu Pedro Nava, Emílio Moura, Alberto Campos João Alphonsus e, com eles, lançou o Modernismo no estado mineiro. Também iniciou o curso de Farmácia nessa mesma época.
Fascinado pelo poeta Manuel Bandeira, escreveu uma carta para ele confessando tal admiração – fato que se deu em 1924. Nesse mesmo ano recebeu o grupo de intelectuais modernistas de São Paulo e do Rio de Janeiro, entre eles Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Blaise Cendras. Concluindo o curso que iniciara (de Farmácia) no ano seguinte, não se adaptou à profissão, passando então a lecionar Português e Geografia no Ginásio Sul-Americano de Itabira. Retornando mais tarde a Belo Horizonte, tornou-se redator-chefe do Diário de Minas. Em 1928 publicou na Revista Antropofagia o poema“No meio do caminho”.
Em 1934 se transferiu para o Rio de Janeiro e se tornou chefe de gabinete do Ministro da Educação e Saúde Pública, Gustavo Capanema. Época essa que sua atividade profissional dividiu-se em três ramos: funcionário público por necessidade, cronista por opção e poeta por vocação. Faleceu em 1987, no Rio de Janeiro, conhecido, como já dito, como um dos maiores poetas brasileiros.
Drummond pertenceu à segunda fase do Modernismo, explorando, portanto, a modalidade poética (pois a anterior pendia para a atividade prosaica). Nesse sentido, tal como a segunda fase (prosa), a fase poética procurou também não se mostrar focada no simples objetivo de liberação estética, de rompimento com moldes passadistas. Procurou, sobretudo, apresentar uma literatura de participação nas causas sociais, enfatizando os aspectos que norteavam a sociedade vigente daquela época, levando em conta o cenário brasileiro de uma forma geral.
Em face de tal realidade, o predomínio do verso livre, bem como as posições ideológicas – representando a forma como o artista se sente no mundo – retrataram de forma ímpar a verdadeira expressão de uma sensibilidade do novo tempo que se aproximava. Dessa feita, vale mencionar que, em consonância com uma visão ideológica, a poesia procurou respostas acerca da compreensão “do ser e estar no mundo”, razão pela qual a presença de um senso de mistério e espiritualidade são fatores preponderantes. E foi assim que Drummond, Cecília Meireles, Jorge de Lima, Vinícius de Morais, Murilo Mendes, entre tantos outros, fizeram-se presentes.
Para consolidar essa polarização entre os problemas externos (sociais) e os problemas pessoais, emergiu o poema “No meio do caminho”. Nele, a habilidade drummondina explora uma temática universal: o desencontro entre o ser e o mundo, ou seja, a pedra, representando os obstáculos terrenos; e o caminho, trajetória buscada para a realização do ser, enquanto pessoa.
Como já expresso, a obra desse grandioso artista se subdividiu em três vertentes básicas, reveladas pela primeira, segunda e terceira fase do poeta. Vejamos, portanto, cada uma delas:
* A primeira foi aquela em que Drummond se mostrou como alguém indiferente, comparando-se aos demais, alguém que vê o mundo às avessas. Por isso se mostrou como um “eu” deslocado, torto, retorcido:
Poema de sete faces
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é serio, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
* Na segunda fase ele realmente firmou seu posicionamento ideológico, demonstrando-se como alguém que acabara de constatar que o mundo é feito de instituições que oprimem e sufocam o ser humano, revelando, assim, todos os seus anseios por uma sociedade mais igualitária e mais justa:
José
[...]
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
* Na terceira fase, toda essa inquietação do poeta o levou a questionar, também, a própria poesia. Dessa forma, ele a fez seu próprio campo de pesquisa, dada sua materialização por meio de palavras.
Procura da Poesia
Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro
são indiferentes.
Não me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
[...]
Aproveite para conferir nossa videoaula relacionada ao assunto: