Aluísio Azevedo, escritor brasileiro do século XIX, nasceu em 14 de abril de 1857, em São Luís, Maranhão. Seu irmão é o dramaturgo Artur de Azevedo (1855-1908), com quem foi morar no Rio de Janeiro, em 1876, para estudar na Academia Imperial de Belas Artes. Porém, com a morte do pai, em 1878, viu-se forçado a voltar ao Maranhão, onde publicou, no ano seguinte, o seu primeiro livro, Uma lágrima de mulher, com traços românticos. O sucesso, no entanto, chegou com a publicação do polêmico O mulato, em 1881.
Além de escritor, Aluísio Azevedo foi diplomata, carreira que ele iniciou em 1895, quando, consequentemente, deixou a literatura em segundo plano. Mas, a essa altura, já tinha entrado para a história da literatura brasileira com a sua “trilogia naturalista” — O mulato, Casa de pensão e O cortiço —, em que é possível verificar características do naturalismo brasileiro, tais como o determinismo, o biologismo e a zoomorfização. Assim, o autor, que faleceu em 21 de janeiro de 1913, é um dos principais representantes desse estilo no Brasil.
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Biografia
Aluísio Azevedo nasceu em 14 de abril de 1857, em São Luís do Maranhão. Sua mãe, Emília Amália Pinto de Magalhães, e seu pai, o vice-cônsul português David Gonçalves de Azevedo, não eram casados, apenas viviam juntos, o que era escandaloso para a sociedade da época. Na adolescência, o escritor trabalhou como caixeiro e guarda-livros. Em 1876, mudou-se para o Rio de Janeiro para viver com o seu irmão mais velho, que morava naquela cidade, o dramaturgo Artur de Azevedo.
No Rio de Janeiro, estudou na Academia Imperial de Belas Artes, enquanto fazia caricaturas para jornais como O Fígaro e A Semana Ilustrada. Porém, em 1878, seu pai morreu, e Aluísio Azevedo precisou voltar a São Luís para cuidar dos assuntos da família. E foi morando nessa cidade que ele publicou o seu primeiro romance — Uma lágrima de mulher —, em 1879, filiado ao romantismo. Além disso, escrevia para o jornal anticlerical O Pensador, que defendia a abolição da escravatura.
Em 1881, voltou para o Rio de Janeiro, após o sucesso de O mulato, publicado naquele ano. Na corte, passou a publicar seus romances em folhetim. Além de escrever suas narrativas, colaborou em peças de teatro de Artur de Azevedo e Emílio Rouède (1848-1908). Em 1895, tornou-se diplomata, de forma que morou na Espanha, Japão, Argentina, Inglaterra e Itália. Desse modo, a literatura acabou ficando em segundo plano.
Conheceu a argentina Pastora Luquez, com quem passou a viver. Ela tinha dois filhos, e Aluísio Azevedo os adotou. Em 1910, como cônsul, o autor viveu no Paraguai e, por fim, como adido comercial em Buenos Aires, na Argentina, onde o romancista, fundador da cadeira número 4 da Academia Brasileira de Letras, faleceu, em 21 de janeiro de 1913, possivelmente como consequência de um atropelamento sofrido no ano anterior.
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Características literárias
Aluísio Azevedo faz parte do naturalismo brasileiro, que possui as características citadas a seguir.
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Cientificismo: a ciência é usada para explicar o comportamento dos personagens.
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Determinismo: os personagens são influenciados por sua raça, meio e momento histórico em que vivem.
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Biologismo: prevalência das motivações biológicas dos personagens em detrimento das psicológicas.
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Personagens construídos a partir da perspectiva de que o ser humano é um animal comandado por instintos, principalmente o sexual.
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O instinto sexual é predominante e se opõe à capacidade racional dos personagens.
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Personagens representantes da classe pobre se tornam objeto de análise na narrativa.
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Aplicação de teorias científicas misóginas (mulher histérica), racistas (pessoa negra tratada como inferior) e homofóbicas (indivíduo homossexual tratado como doente ou criminoso).
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Zoomorfização: atribuição de características animais a seres humanos.
Principais obras
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Uma lágrima de mulher (1880)
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O mulato (1881)
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Mistério da Tijuca (Girândola de amores) (1882)
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Memórias de um condenado (A condessa Vésper) (1882)
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Casa de pensão (1884)
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Filomena Borges (1884)
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O homem (1887)
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O coruja (1890)
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O cortiço (1890)
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A mortalha de Alzira (1894)
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Livro de uma sogra (1895)
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Pegadas (1897)
Porém, as obras mais conhecidas do autor fazem parte da chamada “trilogia naturalista”, composta por estes três romances:
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O mulato
Ao ser publicado, em 1881, o romance escandalizou a sociedade do Maranhão pela sua temática — o preconceito racial — e pela maneira como ela foi tratada, a partir do viés naturalista, caracterizado pela linguagem direta e explícita, em evidente crítica à sociedade maranhense. Contudo, no Rio de Janeiro, foi bem recebido pela crítica, sendo, portanto, a obra inaugural do naturalismo no Brasil. Mas, para a edição de 1889, o autor decidiu tirar algumas partes e reescrever trechos da obra, para evitar a polêmica.
Dessa forma, o livro conta a história de Raimundo, filho do fazendeiro José da Silva (casado com Quitéria) e de uma escrava de nome Domingas. O enredo se desenrola em São Luís do Maranhão, quando Raimundo volta da Europa e se hospeda na casa de seu tio, o comerciante Manuel Pescada. Nessa casa, moram também a sogra de Manuel, D. Bárbara, e a prima de Joaquim, Ana Rosa.
Em flashback, o narrador nos mostra que, ao descobrir que Mundico, com 3 anos de idade, é filho de José da Silva, Quitéria espanca e tortura Domingas, com requintes de crueldade, e depois foge para a fazenda de sua mãe, D. Úrsula Santiago. José deixa o filho aos cuidados do irmão, em São Luís, e volta para buscar a esposa, ainda vivendo na fazenda da mãe. Então, surpreende Quitéria e Padre Diogo em adultério.
O marido, portanto, estrangula a mulher. Para evitar a punição e o escândalo, o Padre Diogo e José fazem um pacto de silêncio, e todos acreditam que a morte de Quitéria se deve a uma congestão cerebral. Viúvo, José pretende ir para Portugal com Raimundo, seu filho, mas adoece na casa de seu irmão. Curado, antes de viajar para a Europa, decide voltar para a fazenda, mas é assassinado no caminho. Assim, Manuel decide enviar o sobrinho para Portugal.
Raimundo cresce em Portugal e lá se forma em Direito. Depois, volta a São Luís para vender as propriedades do pai e morar no Rio de Janeiro. O personagem é assim descrito pelo narrador:
Raimundo tinha vinte e seis anos e seria um tipo acabado de brasileiro se não foram os grandes olhos azuis, que puxara do pai. Cabelos muito pretos, lustrosos e crespos; tez morena e amulatada, mas fina; dentes claros que reluziam sob a negrura do bigode; estatura alta e elegante; pescoço largo, nariz direito e fronte espaçosa. A parte mais característica da sua fisionomia era os olhos — grandes, ramalhudos, cheios de sombras azuis; pestanas eriçadas e negras, pálpebras de um roxo vaporoso e úmido; [...].
Hospedado na casa do tio, Raimundo e Ana Rosa apaixonam-se. Porém, desconhecendo quem é sua mãe, decide voltar à fazenda de seu pai e lá encontra uma mulher negra e louca. Domingas ainda está viva. Enquanto isso, o cônego Diogo, padrinho de Ana Rosa, tenta de tudo para afastar Raimundo de São Luís, pois não quer que ele descubra coisas do passado.
Ao pedir ao tio a mão da prima em casamento, Raimundo tem uma resposta negativa. Ele não entende o motivo da recusa, e o tio se nega a dar explicações. Por fim, após insistência do rapaz, o tio esclarece que Ana Rosa não pode se casar com Raimundo porque ele é filho de uma escrava, é “um homem de cor”. Então Raimundo decide partir. Ao saber de sua partida, antes de revelar que está grávida do primo, Ana Rosa tem um ataque histérico, tão típico de obras naturalistas: “E deixou-se cair para trás, na rede, a estrebuchar”. E, assim, a história caminha para um trágico desenlace.
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Casa de pensão
O romance foi inspirado no famoso “Caso Capistrano”, crime cometido em 1876, no Rio de Janeiro, em que Antônio Alexandre Pereira, irmão da jovem mulher violentada por João Capistrano da Cunha, matou o referido Capistrano, que estava hospedado na casa de pensão da mãe do assassino. Assim, Aluísio Azevedo se vale de um fato real, uma notícia presente nos jornais da época, para criar a sua história fictícia, em que o meio é determinante no desenrolar dos fatos.
Em Casa de pensão, de 1884, o jovem Amâncio, um maranhense, chega ao Rio de Janeiro para estudar medicina. A princípio, hospeda-se na casa de Luís Campos, amigo de seu pai, e passa a sentir desejo pela sua esposa, Hortênsia. Deslumbrado com a vida na corte, Amâncio conhece João Coqueiro, casado com Madame Brizard. O casal é dono de uma casa de pensão, onde também mora Amélia, irmã de João Coqueiro.
João Coqueiro tem interesse em casar Amâncio com a irmã. Assim, convida o rapaz a morar na pensão, e ele aceita. No lugar moram também os filhos de Madame Brizard — César (um menino de 12 anos) e Nini (uma viúva histérica) —, além de Lúcia, que, apesar de viver com Pereira, também busca seduzir Amâncio. Tanto ela quanto Amélia estão interessadas no dinheiro dele.
Acometido por varíola, ele é cuidado por Amélia. Porém, a doença, por ser contagiosa, acaba afastando os hóspedes da pensão. Então, a família de Amélia passa a viver às custas de Amâncio. Amélia se torna amante do rapaz e o convence a comprar uma casa para ela. Ela também quer se casar com ele, e o pressiona. No entanto, Amâncio não tem interesse em se casar e planeja voltar para sua terra natal, em segredo. Mas é detido no cais pela polícia, depois que João Coqueiro o acusa de “desvirtuar” Amélia. Amâncio, no entanto, é absolvido, e João Coqueiro o mata. Assim, a notícia da morte do rapaz agita a cidade.
Faziam-se grupos; os repórteres andavam num torniquete; via-se o Piloto por toda a parte, irrequieto, farisqueiro; e o fato ia ganhando circulação, com uma rapidez elétrica. Pânico sobressalto quebrava violentamente a plácida monotonia da Corte; mulheres de toda a espécie e de todas as idades empenhavam-se com a mesma febre na sorte dramática do infeliz estudante, e o Coqueiro, alado pela transcendência de seu crime, principiava a realçar no espírito público, sob a irradiação simpática e brilhante de sua corajosa desafronta.
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O cortiço
O cortiço, de 1890, é a principal obra do naturalismo brasileiro. Isso porque ela traz em si várias características desse estilo, baseado em teorias científicas, hoje ultrapassadas, da segunda metade do século XIX. O espaço principal da ação acaba sendo, portanto, o grande protagonista da história, isto é, o cortiço, que é tratado no livro como um meio corruptor capaz de determinar o destino dos personagens, que ali moram em casinhas alugadas pelo ambicioso João Romão.
Dessa forma, o cortiço abriga personagens emblemáticos do naturalismo, como Rita Baiana, uma mulata por quem Jerônimo — um português trabalhador e honesto — apaixona-se e acaba se transformando em um criminoso, corrompido pelo meio. Há também Pombinha, uma jovem pura, com casamento marcado, que acaba sendo seduzida pela prostituta Léonie, protagonizando, possivelmente, a primeira relação sexual lésbica da literatura brasileira. Destaca-se também Albino, um homossexual delicado e feminino que vive sempre entre as lavadeiras do cortiço e é tratado como se fosse uma delas.
Já o personagem João Romão, dono do cortiço, da pedreira onde trabalham alguns moradores do lugar e também da taverna onde eles fazem suas compras, é o exemplo do burguês que enriquece pelo próprio esforço, mas também pela exploração do trabalho alheio, de forma que o romance mostra a essência do capitalismo, pautado na lei do mais forte, de forma que seria impossível a ascensão social daqueles que vivem no cortiço ou que pertencem a uma raça considerada “inferior” pela ciência da época, como Bertoleza, uma escrava que vive com João Romão e é explorada por ele.
O cenário se completa com o sobrado do Miranda, ao lado do cortiço. Miranda é um negociante português casado com Estela, “senhora pretensiosa e com fumaças de nobreza”, e pai de Zulmira. A esposa de Miranda costuma trair o marido, mas ele prefere manter as aparências, algo comum à classe burguesa da época, classe a que João Romão almeja pertencer. Assim, ao enriquecer, ele fica noivo de Zulmira e, de forma cruel, descarta Bertoleza de sua vida, pois ela é um empecilho para a sua ascensão social.
Portanto, o romance possui, amplamente, características naturalistas, como o determinismo, já que a vida dos personagens do cortiço é determinada pela influência do meio, como é o caso de Jerônimo; além da raça, como mostra o comportamento de Bertoleza, que, segundo o narrador, “não queria sujeitar-se a negros e procurava instintivamente o homem numa raça superior à sua”. Aliás, o instinto dos personagens do cortiço supera a razão, como é evidenciado na relação entre Jerônimo e Rita Baiana.
Além disso, a homossexualidade é tratada como uma espécie de patologia, como é possível verificar na descrição de Albino: “um sujeito afeminado, fraco, cor de espargo cozido [...]”, o qual “vivia sempre entre as mulheres, com quem já estava tão familiarizado que elas o tratavam como a uma pessoa do mesmo sexo; [...]”, tinha “[...] quadris pobres de homem linfático” e “não comia quase nada e o pouco que conseguia meter no estômago fazia-lhe mal”.
E, por fim, a zoomorfização, que pode ser verificada nestes exemplos: “uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas”; “jurava abrir as fuças a quem lhe desse um segundo coice como acabava ela de receber um nas ancas”; “embarcou para a frente, rugindo e esfocinhando moribunda numa lameira de sangue”; “espolinhava-se toda, cerrando os dentes, fremindo-lhe a carne em crispações de espasmo; ao passo que a outra, por cima, doida de luxúria, irracional, feroz, revoluteava, em corcovos de égua, bufando e relinchando”.
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