Tecendo a manhã
1.
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
2.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
João Cabral de Melo Neto
A arte literária convida-nos a uma reflexão – eis a razão pela qual nos basearemos no poema em evidência para compreendermos de forma efetiva acerca dos pontos que norteiam as relações intertextuais presentes nos discursos como um todo.
Antes de tudo é preciso entender que tanto na oralidade, quanto na fala, nossos dizeres fazem referência a algo já dito por outrem. Dessa forma, fazemos alusão a um filme, a uma obra de arte, a um provérbio, a um pensamento célebre, a um poema, a um fato ocorrido, enfim, a muitas outras circunstâncias.
Assim sendo, podemos afirmar que o mesmo ocorre com os textos, pois mediante todo entrelaçar de ideias, elas se juntam, condensam-se e se materializam de forma plena. A título de constatação, basta analisarmos as palavras desse magnífico poeta, cuja criação representa a metáfora da intertextualidade, exatamente quando ele nos revela:
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
Ou seja, um texto não existe por si, ele sempre se reporta a outros textos, referindo-se as eles e recriando-os de forma constante.
Assim, continuemos exaltando a Literatura e, com vistas a aproveitarmos esse gancho, firmemos nosso propósito em evidenciar dois casos que representam as relações intertextuais nela presentes. Estamos nos referindo à paráfrase e à paródia, ambas com características distintas, mas muito bem evidenciadas a seguir:
A paráfrase deriva-se do grego para-phrasis (repetição de uma sentença) e se manifesta pela imitação de um texto original, porém com outras palavras. Sendo assim, podemos dizer que tanto a extensão do texto matriz como as ideias centrais são mantidas intactas.
Como exemplos dessa natureza, podemos citar duas renomadas criações:
Texto Original
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá,
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.
(Gonçalves Dias, “Canção do exílio”).
Paráfrase
Meus olhos brasileiros se fecham saudosos
Minha boca procura a ‘Canção do Exílio’.
Como era mesmo a ‘Canção do Exílio’?
Eu tão esquecido de minha terra…
Ai terra que tem palmeiras
Onde canta o sabiá!
(Carlos Drummond de Andrade, “Europa, França e Bahia”).
Já a paródia é uma recriação de caráter contestador, isto é, a intenção do emissor é recriar o texto-base de acordo com seu próprio ponto de vista. Tal modalidade foi bastante disseminada pelos autores da era modernista cujo objetivo era criticar as ideologias manifestadas nas estéticas passadistas, tais como o nacionalismo exacerbado, o romantismo em excesso, a sintaxe exagerada, influenciada pelos moldes clássicos, entre outros pontos relevantes. Vejamos, pois, alguns exemplos:
Texto Original
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá,
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.
(Gonçalves Dias, “Canção do exílio”).
Paródia
Minha terra tem palmares
onde gorjeia o mar
os passarinhos daqui
não cantam como os de lá.
(Oswald de Andrade, “Canto de regresso à pátria”).
Canção do Exílio Facilitada
... sabiá
...papá
...maná
... sofá
... sinhá
... cá?
bah!
José paulo Paes
Aproveite para conferir a nossa videoaula relacionada ao assunto: