A Reforma Protestante na Alemanha, impulsionada por Martinho Lutero, não se restringiu a uma crítica da doutrina católica. Os questionamentos da riqueza da Igreja, tendo por base os preceitos cristãos, ao chegarem nas classes exploradas da sociedade germânica do século XVI, resultaram em uma Guerra Camponesa contra a nobreza.
Revoltas camponesas haviam sido registradas em várias regiões da Europa ocidental no século XIV, ligadas às crises de abastecimento, problemas climáticos e sanitários, além da intensificação da exploração do campesinato pela nobreza. No caso alemão, a ação dos camponeses contra a exploração a que estavam submetidos pelos nobres tornou-se aguda um século depois, sendo a religião a expressão ideológica da revolta e também a fundamentação da crítica à riqueza da nobreza.
Um dos principais líderes das Guerras Camponesas na Alemanha foi Thomas Müntzer, adepto do luteranismo e crítico mordaz dos privilégios da nobreza e do catolicismo. Müntzer criticava a propriedade privada e o poder político institucionalizado pelo Estado. Pregava a igualdade entre todas as pessoas, além da humildade, da solidariedade e da divisão de bens. Adepto do milenarismo, acreditava que a luta contra a nobreza inauguraria uma nova Era da humanidade, em que as injustiças sociais deixariam de existir. Essa ideia era apresentada por ele como a criação do Reino de Deus na Terra.
Selo representando uma pregação de Thomas Müntzer*
As novas concepções religiosas serviram para que os camponeses passassem a criticar na prática o poder da nobreza. Mas não foram apenas os camponeses a se oporem aos nobres.
Mesmo entre os estratos mais baixos da nobreza havia insatisfação, principalmente entre os cavaleiros. Estes obtinham parte considerável de sua renda da pilhagem de comerciantes em estradas do Sacro Império Romano-Germânico. Com o crescimento do comércio, vários príncipes passaram a proteger os comerciantes, o que diminuiu a riqueza dos cavaleiros.
Nas cidades, as camadas populares também estavam insatisfeitas, o que demonstrava que os conflitos sociais não se restringiram ao campo. Toda a sociedade germânica estava convulsionada.
Em agosto de 1524 começou a Guerra Camponesa. Cerca de 300 mil camponeses compuseram as forças militares populares contra a nobreza, munidos de diversos tipos de armas desde as tradicionais, como espadas e lanças, até as mais modernas da época, como mosquetes e canhões, obtidos de saques às fortificações dos nobres. Utilizaram ainda de suas ferramentas de trabalho, como foices e machados.
Os camponeses eram comandados por membros da pequena nobreza insatisfeitos com sua situação. Entretanto, eram eleitos e controlados pelos camponeses. Cerca de sessenta castelos foram destruídos pelos revoltosos. O avanço desse exército foi facilitado pelo fato de os exércitos regulares de Carlos V estarem combatendo os franceses no norte da Itália.
As principais ações dos camponeses consistiam, além da destruição de castelos, na obtenção de alimentos e na distribuição das terras tomadas dos bispados e da nobreza. Nas regiões dominadas pelos camponeses, as obrigações feudais eram abolidas, sendo todos declarados líderes.
Entretanto, as divisões internas enfraqueceram os revoltosos. A pequena nobreza e a burguesia não tinham os mesmos interesses de radicalidade detidos pelos camponeses. A divergência de interesses levou a um enfraquecimento dos exércitos. A volta dos exércitos de Carlos V também contribuiu para a derrota dos camponeses.
Um elemento de grande importância foi a postura de Martinho Lutero. Preocupado com a quebra da ordem social, Lutero usou de sua autoridade religiosa para unir a nobreza católica e protestante contra os camponeses, passando a pregar a repressão violenta contra os revoltosos.
A derrocada do movimento ocorreu um ano após seu início. Em meados de 1525, a intensa repressão conseguiu debelar as forças camponesas. Cerca de 100 mil pessoas foram mortas, dentre elas Thomas Müntzer, que foi torturado e depois decapitado.
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