A relação da humanidade com o tempo é passível das mais intrigantes interpretações. A morte, por exemplo, revela, pela simples observação de sua experiência, que a nossa trajetória pelo mundo é limitada a um período, o qual se esvai no passar de apenas algumas décadas. Se, por um lado, a finitude da existência instiga a busca pela eternidade, sabemos que esse mesmo fato induz muitas outras pessoas a imaginarem um tempo em que todos nós experimentaríamos coletivamente o fim do mundo.
Logicamente, a crença no fim do mundo está, muitas vezes, ligada ao desenvolvimento de um pensamento religioso. O furor dos deuses, a formação de uma nova realidade ou os vários pecados são apenas algumas das justificativas que revelam a capacidade humana em projetar o fim de sua existência. Mesmo recorrente, vemos que existem alguns momentos da História em que esse tema ganha uma força, no mínimo, especial.
Idade Média e o fim do mundo
Em 999 d. C., uma parcela significativa dos europeus esperava que o mundo alcançasse o seu fim. Afinal de contas, em um período tomado pela fé cristã, muitos se assustaram ao saber das condenatórias palavras presentes no Apocalipse de São João, o último e ainda mais temido livro da Bíblia. Conforme suas próprias palavras, a passagem de mil anos seria marcada pela soltura do demônio na Terra e, consequentemente, a vivência dos mais terríveis pesares.
A partir da circulação dessa mensagem sagrada, qualquer indício mostrava-se suficiente para que as temíveis palavras bíblicas fossem tomadas como uma incontestável verdade. A ocorrência de epidemias, o acontecimento de qualquer fenômeno natural de pouca recorrência, o nascimento de uma criança acometida por anomalias abomináveis... Tudo era desculpa para o desespero de comunidades inteiras. À medida em que o ano 999 esgotava-se, as situações de angústia e desespero tornavam-se ainda mais corriqueiras.
Mesmo com a chegada do ano 1000, sem nada acontecer, o temor ainda pairava nas mentes e corações de alguns cristãos. No fim das contas, as coisas só ficaram mais calmas com a chegada do ano de 1033, que obviamente marcava a passagem de mil anos do sacrifício de Jesus Cristo na Terra. De fato, mais do que simples crendice, todo esse temor tem uma relação direta com as incertezas e transformações que marcaram a passagem entre a Antiguidade e a Idade Média.