No século IV a.C., a cidade-Estado de Atenas vivia o seu auge político-administrativo com a instalação de seu regime democrático. O ideal de participação política ali instalado influenciou debates que se estenderam por diversas obras filosóficas escritas ao longo da História. No entanto, a mesma Atenas responsável pela criação da democracia também foi culpada pela morte de um dos seus mais representativos pensadores: Sócrates.
Relacionando o ideal democrático à execução do pensador Sócrates, não conseguimos compreender claramente como uma civilização conhecida pela valorização do homem e do seu pensamento, foi responsável por um episódio de tal natureza. Grosso modo, os autos do julgamento de Sócrates alegam que o pensador grego foi condenado por corromper a juventude ateniense e insultar as tradições religiosas da cidade. No entanto, outras questões podem ser colocadas para entender as motivações do seu julgamento.
A primeira das hipóteses que podemos levantar sobre o incidente gira em torno da origem mítica do conhecimento de Sócrates. Segundo relatos, o Oráculo de Delfos, meio pelo qual os homens se comunicavam com os deuses, teria falado da superioridade intelectual de Sócrates mediante os demais cidadãos. Talvez, por isso, o pensador grego acreditava que seria capaz de “fazer a verdade vir à tona” na medida em que empreendia um debate com seus interlocutores.
Mesmo tendo grande fama devido sua grande capacidade argumentativa, Sócrates não era um orador de todas as horas. A grande maioria dos debates políticos engendrados na Assembléia não contava com sua participação. Dessa forma, ao questionar ou empreender debate com um indivíduo, Sócrates acabava criando uma situação bastante contraditória. Ao mesmo tempo em que desdenhava das importantes questões políticas de sua cidade, era capaz de ridicularizar alguém por meio de seu sarcasmo intelectual.
Além disso, Sócrates poderia ser visto com desconfiança por ele não ter se colocado contra as ditaduras que se instalaram em Atenas durante seus anos de vida. Ao mesmo tempo, muitos dos críticos à democracia ateniense tinham sido aprendizes do filósofo grego. A própria obra de Aristófanes, dramaturgo grego, chegava a fazer associações entre os socráticos e o desapego às instituições democráticas. Dessa forma, essas outras questões giravam em torno de seu julgamento.
Colocado mediante o júri, parecia não se concentrar no debate ou na defesa de suas atitudes. Nos dois processos que definiram sua culpa e sua pena, Sócrates fazia crítica aos seus acusadores, mas sem nenhuma vez questionar a validade das acusações elaboradas contra si mesmo. Segundo estudiosos, as acusações feitas contra ele não eram criminalizadas em nenhum tipo de cânon jurídico ateniense. Por isso, sua “autodefesa” poderia ter sido muito mais eficiente.
Velho e descrente em relação às instituições de sua cidade, Sócrates parecia não se importar com a própria morte. Não poderíamos bem ao certos estabelecer corretamente as motivações de sua postura negligente. Em contrapartida, é possível especular se o tão crítico pensador não acabou usando de sua morte para, mais uma vez, ridicularizar as contradições de um povo que se dizia orgulhoso por suas instituições democráticas. Condenado por Atenas, Sócrates aceitou a pena em que foi obrigado a ingerir cicuta.