Fernando Collor de Mello foi o segundo presidente do Brasil a ter contra si a acolhida de um pedido de impeachment no Congresso Nacional (o primeiro foi Getúlio Vargas, em 1954) e o primeiro a ficar inabilitado para o exercício de funções públicas em decorrência do processo deflagrado pelo referido pedido. O impeachment de Collor ocorreu no ano de 1992, dois anos e meio após sua ascensão à presidência.
-
Crise financeira e o caso PC Farias
Collor assumiu a presidência do Brasil em 1990, após vencer as primeiras eleições presidenciais diretas, com votação popular, realizadas em 1989, após o fim da Ditadura Militar. Um dos grandes desafios que precisou enfrentar foi a questão da situação financeira do país, já bastante alarmante no governo anterior, de José Sarney. Para tanto, a equipe econômica de Collor, liderada por Zélia Cardoso, elaborou os planos Collor I e Collor II, com vistas a estabilizar o valor da moeda e controlar a inflação. Todavia, os planos não deram certo, e medidas como o bloqueio de ativos financeiros acima de 50 mil cruzeiros, relativos às movimentações da caderneta de poupança, e o congelamento de preços dos produtos e dos salários resultaram em fortes reações negativas por parte da população.
Para agravar a situação, o tesoureiro da campanha presidencial de Collor, Paulo César Farias, vulgo PC Farias, passou a ser investigado por corrupção. O esquema de PC Farias logo foi associado ao presidente da República. Contra Collor, à época, depôs o seu próprio irmão, Pedro Collor, como bem ressalta o historiador Marco Antônio Villa, em seu livro Collor Presidente – Trinta meses de turbulências, reformas, intrigas e corrupção:
“O PC é o testa de ferro do Fernando.”Assim começou a célebre entrevista de Pedro Collor à revista Veja. A publicação chegou às bancas no dia 24 de maio, um domingo. As denúncias do irmão do presidente cairiam como uma bomba. A entrevista fora concedida em São Paulo. Ele esteve acompanhado da esposa, Thereza, e da irmã, Ana Luíza. Falara por duas horas. [1]
Posteriormente, uma entrevista dada à revista Isto É pelo motorista Eriberto França, que trabalhava na Casa da Dinda (residência particular da família Collor em Brasília, que fora transformada em residência oficial), lançou novas luzes sobre o suposto envolvimento do presidente no esquema de PC Farias. Isso deu elementos para a abertura de processo criminal comum contra Collor, no Supremo Tribunal Federal, e do processo de impeachment, no Congresso.
-
Instauração do processo, renúncia e inabilitação
O pedido de impeachment contra Collor foi elaborado por Marcello Lavanère e Barbosa Lima Sobrinho e protocolado no dia 3 de setembro de 1992, na Câmara dos Deputados. A acolhida ocorreu no dia 29 do mesmo mês. Em 1º de outubro, o Senado autorizou a instauração do processo, que durou quase dois meses. A votação final do impeachment de Collor ficou marcada para o dia 29 de dezembro de 1992, apesar de a defesa de Collor ter tentado adiar a votação várias vezes. No dia 29, às 9h13, teve início, de fato, a sessão de votação.
Entretanto, meia hora depois de aberta a sessão, o advogado de Collor, José Moura Rocha, adentrou o plenário do Senado de posse de uma carta escrita pelo próprio punho do presidente. Como narra Marco Antônio Villa:
Quando era ouvida a testemunha Francisco Gros, ex-presidente do Banco Central, José Moura Rocha pediu a palavra e leu a carta manuscrita de Collor. Em apenas sete linhas, apresentou sua renúncia. Eram 9h43. A sessão, por determinação de seu presidente, ministro Sydney Sanches, foi suspensa para que o Parlamento tomasse conhecimento do fato. [2]
A posse do vice de Collor, Itamar Franco, foi efetivada às 12h30. Entretanto, a sessão do impeachment, que perderia o seu objeto se o presidente processado renunciasse – o que prevê a Constituição de 1988 –, continuou na noite de 29 de agosto. Essa continuação foi uma decisão que o presidente do STF, Sydney Sanches, deixou ao encargo do plenário de senadores:
[…] por 73 votos a favor e apenas oito contra, (o Senado) deu continuidade ao julgamento. Os senadores ignoraram que a pena acessória é prejudicada quando não há a pena principal, o impeachment. A aplicação da punição só teria cabimento se o acusado fosse julgado culpado. No momento em que aceita a renúncia, o processo teria de ser interrompido. [3]
Sendo assim, Collor, mesmo tendo renunciado, sofreu a penalidade acessória do impeachment, ficando, portanto, inabilitado de exercer funções públicas por oito anos.
*Créditos da imagem: Banco de imagens da Agência Senado/ Senado Federal
NOTAS
[1] VILLA, Marco Antônio. Collor presidente: trinta meses de turbulências, reformas, intrigas e corrupção. Rio de Janeiro: Record, 2016. p. 217.
[2] VILLA, Marco Antônio. Idem. pp. 340-41.
[3] VILLA, Marco Antônio. Idem. pp. 341-42.