O dia da Páscoa, no mundo contemporâneo globalizado, está diretamente associado a alguns símbolos que, não raro, desconhecemos completamente o sentido e que acabam por atender apenas a diretrizes comerciais. É o caso, principalmente, do ovo de Páscoa, do qual nos valemos para presentear nossos amigos e familiares. Entretanto, o sentido mais profundo da Páscoa e também dos símbolos a ela atrelados só pode ser compreendido se levarmos em conta a história da tradição judaico-cristã. A história da Páscoa é indissociável dessa tradição.
Para antigos hebreus, bem como para os judeus modernos, a Páscoa (Pessach, em hebraico) representa o dia em que, liderados por Moisés, o “Povo eleito” conseguiu fugir da tirania egípcia, da qual foi feito escravo por cerca de quatro séculos. A pessach, “passagem” da escravidão à liberdade em direção à “Terra Prometida”, é narrada no livro do Êxodo – um dos cinco livros da Torá, ou Pentateuco para os cristãos. Com o advento de Cristo, no seio da tradição hebraica, o sentido da Páscoa passou a assumir uma nova configuração. A Páscoa passou a ser identificada com o dia da Ressurreição de Cristo, após a Paixão e a morte na cruz.
Para a tradição cristã, do mesmo modo que Moisés libertou o povo hebreu do jugo egípcio, Cristo morreu na Cruz para ressuscitar no terceiro dia e livrar toda a humanidade da prisão do pecado e da morte, à qual está sujeita desde a “queda” (simbolizada pela expulsão do Paraíso – narrativa presente no livro do Gênesis). A Páscoa, entendida como Ressurreição de Cristo, seria a vitória sobre a morte e o mal e única via de passagem para a vida eterna.
Pois bem, esse é o sentido estritamente religioso da Páscoa para a tradição judaico-cristã. A data da Páscoa passou a ser fixada no calendário cristão após deliberação do Concílio de Niceia, realizado em 325 d.C. O dia escolhido seria sempre o primeiro domingo após o equinócio de primavera europeu, podendo recair em algum dos domingos entre a segunda metade de março e início de abril. O equinócio de primavera, no hemisfério Norte, marca o auge do “renascimento” da vida natural (reflorescimento, reprodução dos animais etc.) após o período do longo inverno. Entre outras coisas, esse simbolismo natural motivou a escolha dessa data pela Igreja Primitiva.
O mesmo simbolismo acima citado já era utilizado como referência para cultos pagãos a deuses associados à fertilidade, sobretudo no norte da Europa. Uma das principais deusas da fertilidade, no contexto pagão europeu, era Eostre, ou Easter, ou ainda Ostera (o nome varia de acordo com a região). A essa deusa eram dedicados festivais em que se pintavam ovos de aves, como a galinha, para oferecer como presente no equinócio da primavera. Coelhos e lebres também eram símbolos dessa deusa, pois eram os primeiros animais a se reproduzir após o inverno.
Com o tempo, os símbolos pagãos do coelho e do ovo foram assimilados pelos cristãos europeus como símbolos da Páscoa, haja vista que representam o mesmo sentido: o renascimento da morte, isto é, a Ressurreição. Apesar de esse sentido encontrar-se, no mundo atual, sufocado pelo consumismo, o que obscurece a data da Páscoa, é interessante refletir sobre sua profundidade, principalmente sobre essas conexões culturais tão diversas.