O Ocidente Medieval nasceu das ruínas do mundo romano, como diz o historiador Jacques Le Goff|1|. A Idade Média compreende cronologicamente um período que abrange o ano 476, quando ocorreu a desgregação do Império Romano do Ocidente, até 1453, quando houve a queda da cidade bizantina de Constantinopla. Vejamos como foi a evolução das cidades nesse período.
Ruralização da Europa
O Império Romano do Ocidente controlava parte considerável da Europa Ocidental. Com sua desagregação após o século V, um processo de ruralização e diminuição demográfica aconteceu na Europa Ocidental.
O processo de ruralização foi fomentado pelas invasões germânicas. Os povos germânicos eram povos vindos da Germânia, no Norte da Europa, e, a partir do século V, começaram a invadir e a forçar passagem pelas fronteiras do Império Romano. Assim, os locais de produção de alimentos essenciais para o abastecimento de todo o Império foram atacados e, por isso, abandonados pelos camponeses.
Além da fome, houve grande violência, pois as grandes cidades romanas tornaram-se alvos de ataques dos germânicos interessados em saques. Roma, a capital do Império Romano do Ocidente, foi saqueada pelo povo visigodo em 410 e pelo povo vândalo em 455, como diz o historiador Jacques Le Goff:
Decerto as cidades eram, pela atração de suas riquezas acumuladas e provocativas, uma presa em excelência. Foram as vítimas mais intensamente massacradas. […] E essa fuga dos citadinos não era mais que a consequência da fuga das mercadorias que já não vinham alimentar o mercado urbano. […] Quando a evasão do numerário deixa as cidades sem poder de compra, quando as rotas comerciais deixam de irrigar os centros urbanos, os citadinos são obrigados a se refugiar perto dos locais de produção. É a necessidade de se alimentar que, antes de mais nada, explica a fuga do rico para suas terras, o êxodo dos pobres para os domínios dos ricos|2|.
A fome e a violência causaram um processo de recuo populacional e de migração. As cidades esvaziaram-se porque a população mudou-se para perto dos locais de produção de alimentos, onde ficaram sob a tutela dos nobres e proprietários de terra. Esse processo resultou no isolamento desses locais de produção, que mantinham pouco ou nenhum contato com outras regiões, e foi responsável pelo desenvolvimento dos feudos medievais.
Renascimento urbano e medieval
A partir de século XI, a Europa Ocidental passou por um período de renascimento urbano em virtude da maior segurança proporcionada pelas cidades protegidas por muros e do aumento da produção agrícola, que possibilitou mais amplo abastecimento das cidades.
Com o melhor uso do solo por meio de novas técnicas de arado e rotação do solo cultivado, a produção agrícola cresceu. O resultado disso foi o melhor abastecimento das cidades, além da formação de um excedente agrícola que poderia ser comercializado. Com isso, surgiu uma classe dedicada à comercialização desse excedente agrícola que se instalou ao redor da cidade para exercer a atividade mercantil.
Além do comércio, o aumento populacional gerou um processo de migração de pessoas, que abandonaram a vida de servidão nos feudos e foram às cidades à procura de novos ofícios para sobreviver. O desenvolvimento desses ofícios resultou em um processo de desigualdade social na medida em que determinado ofício tornou-se mais bem remunerado que outros.
Outro processo importante que ocorreu na cidade medieval a partir do renascimento urbano foi a migração do poder dos bispos e da nobreza para as novas elites urbanas que surgiam. Antes do processo de crescimento urbano, havia cidades denominadas de “cidades episcopais” onde o poder era exercido por um bispo. Além do poder dos bispos, o poder do senhor feudal, muitas vezes, estendia-se para a cidade que dependia dos itens produzidos em suas terras. A partir do crescimento urbano e do desenvolvimento de uma classe mercantil e dos novos ofícios, o controle urbano passou para as mãos dessa elite urbana que possuía grande fortuna.
A cidade medieval passou por novo processo de recuo populacional após o surto de peste bubônica – a Peste Negra, que dizimou populações inteiras de determinadas regiões. O surto epidêmico ocorreu a partir de 1348 e atuou de forma sistemática na Europa. Houve surtos em 1360-1362, 1366-1369, 1374-1375, 1400 |3| e ao longo do século XV.
|1| LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente medieval. Petrópolis: Vozes, 2016, p. 17.
|2| Idem, p. 32
|3| LE GOFF, Jacques. As raízes medievais da Europa. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 228.