Como sabemos, o Império Otomano foi um dos mais extensos, em termos territoriais, e um dos mais longevos da história. Entre os séculos XV e XVIII, viveu seu grande apogeu, com uma vasta região sob seu jugo. Essa região estendia-se da Ásia Menor ao norte africano, sem contar uma parte considerável no leste europeu. Contudo, toda a opulência e força do Império Otomano começaram a ser postas à prova nas chamadas Guerras Russo-Turcas, no século XIX, e, principalmente, na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). O declínio e o fim do Império Otomano devem ser compreendidos a partir do contexto da Primeira Guerra.
Por ter contraído uma aversão contra o Império Russo ao longo de várias décadas, quando estourou a Primeira Guerra Mundial, o Império Otomano posicionou-se ao lado dos alemães (com os quais também possuíam acordos comerciais), dos italianos e dos austríacos e contra os aliados da Rússia, isto é, Reino Unido e França. A guerra de fato terminou em 1918 com uma catástrofe generalizada no continente europeu e uma derrota humilhante da Alemanha e de seus aliados. Mesmo tendo terminado oficialmente nesse ano, em algumas regiões, a guerra continuou. Foi o caso do coração do Império Otomano, a Ásia Menor, ou Anatólia, onde se encontra a capital Istambul.
Inicialmente, as potências vencedoras da guerra conseguiram estabelecer uma primeira tentativa de paz com o Império Otomano, em outubro de 1918, por meio da assinatura do Armistício de Mudros no porto homônimo, a bordo do navio HMS Agamemnon. Esse acordo determinou a divisão dos territórios pertencentes aos otomanos entre os estados vitoriosos da guerra. Entretanto, houve uma resistência contra tais determinações em parte da Anatólia e da Trácia (província grega) por parte dos turcos. A principal liderança dessa resistência era encabeçada pelo oficial do exército Mustafá Kemal.
Apesar dos sinais da resistência, os aliados instituíram, em 1919, um governo em Istambul, mantendo o sultão Mehmed VI no poder. Entretanto, Kemal deu início à Guerra da Independência Nacional nesse mesmo ano e ela só findou em 1923. Em 1920, houve a criação da Grande Assembleia Nacional Turca, na cidade de Ankara, o centro da resistência. Em 23 de abril do mesmo ano, Mustafá Kemal foi eleito Presidente da Assembleia.
Em 1921, as lideranças de Istambul firmaram acordos de paz com Rússia, Armênia, Geórgia e Azerbaidjão, mas as lideranças de Ankara prosseguiram com a guerra no mar Egeu contra os aliados e contra o exército grego. Em 1922, Kemal preparou uma grande ofensiva na frente ocidental que acabou por provocar grandes perdas para o exército grego. Essa ofensiva culminou na libertação da cidade estratégica de Izmir e na posterior assinatura do Tratado de Mudayna, que pôs fim à Guerra de Independência Nacional.
Entre 1922 e 1923, foi realizada a Conferência em Lausanne, na Suíça. Das discussões dessa conferência, resultou a separação entre o sultanato e o califado, isto é, entre a autoridade política e a autoridade religiosa (califa), e a opção imediata pelo fim da primeira. Isso culminou na fuga do último sultão, Mehmed VI. Esse seria o caminho para a criação da República da Turquia, cujo primeiro presidente foi Mustafá Kemal. Entretanto, apesar do fim do sultanato, os turcos-otomanos ainda tiveram um último califa, que assumiu esse posto por dois anos, Abdulmecid II, como diz o historiador Alan Palmar:
Tão logo a notícia da fuga de Mehmed VI foi confirmada em Ankara, o ministro de Assuntos Religiosos expediu um fetva de deposição. Mehmed foi acusado de abandonar o Califado em conluio com inimigos da Turquia às vésperas da abertura da Conferência de Lausanne, quando seria revisto o acordo de paz. No dia seguinte, a Suprema Assembleia Nacional elegeu o mais velho filho vivo de Abduaziz, Abdulmecid II, para suceder ao primo como Califa. O novo líder dos fiéis era um esteta afável com cinquenta e poucos anos. [1]
NOTAS
[1] PALMER, Alan. Declínio e queda no Império Otomano. São Paulo: Globo, 2013. p. 261.
[2] Idem. p. 262.