A partir do Segundo Reinado, o Brasil iniciou um processo lento e bem gradual que levou o país a abolir a escravidão dos negros de origem africana. Esse processo lento fez com que o país fosse o último das Américas a pôr fim ao trabalho escravo e evidenciou o sucesso das elites latifundiárias em obter concessões e fazer com que essa mudança não acontecesse de maneira brusca.
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O percurso para o fim do tráfico negreiro
Após conquistar sua independência, o Brasil era uma nação totalmente dependente do uso da mão de obra escrava de origem africana. Por parte das elites agrárias brasileiras, não havia intenção de colocar fim a essa instituição no país, e as necessidades do escravismo brasileiro eram supridas, em grande quantidade, pelo tráfico negreiro.
No entanto, a Inglaterra era uma ameaça aos interesses das elites brasileiras, pois essa nação europeia era uma defensora ardorosa do fim da escravidão e pressionava fortemente o Brasil para que isso acontecesse aqui. As pressões dos ingleses, inclusive, ocasionaram um acordo em 1826, no qual o Brasil comprometia-se a acabar com o tráfico negreiro em até três anos.
Esse acordo levou ao decreto de uma lei em 1831, que aprovou o fim do tráfico negreiro no Brasil. Contudo, nomeada como Lei Feijó, ela não foi cumprida e ficou conhecida apenas como lei “para inglês ver”. Apesar dessa lei, existem estatísticas que afirmam que, nas décadas de 1820 e 1830, uma média de 35 mil escravos por ano foi trazida ao Brasil|1|. Isso comprova a alta demanda brasileira por escravos africanos.
Essa situação fez com que a Inglaterra adotasse medidas mais rígidas, de maneira a forçar o fim do tráfico negreiro no Brasil. Como o governo brasileiro havia manifestado intenção de não renovar acordos de cooperação para acabar com essa prática, a Inglaterra decretou em seu parlamento, em 9 de agosto de 1845, o Bill Aberdeen.
O Bill Aberdeen, também conhecido como Slave Trade Supression Act, permitia que a Inglaterra agisse como força policial no Oceano Atlântico, dando direitos à Marinha Inglesa de aprisionar e atacar navios negreiros, caso fosse necessário. Essa medida foi responsável por aprisionar aproximadamente 400 embarcações negreiras e forçou o Brasil a tomar ações enérgicas para garantir o fim do tráfico negreiro.
Assim, em 1850, para resguardar a sua soberania – ameaçada pelas embarcações inglesas –, foi decretada a Lei Eusébio de Queirós, que proibia o tráfico negreiro no país. A Lei Eusébio de Queirós, diferentemente da Lei Feijó, foi efetivamente aplicada e, em praticamente três anos, esse mercado já estava extinto no Brasil.
A lenta abolição da escravidão no Brasil
Uma vez proibido o tráfico negreiro no Brasil, era do conhecimento das elites agrárias que a abolição da escravidão aconteceria inevitavelmente. No entanto, foram tomadas medidas que resguardavam as elites de mudanças bruscas, assim, o processo abolicionista aconteceu de forma lenta e gradual atendendo aos interesses dos grandes fazendeiros.
Visando a que essa transição acontecesse de maneira bem lenta no país, foi aprovada, no mesmo ano (1850), a Lei de Terras. Segundo o historiador Boris Fausto:
A Lei de Terras foi concebida como uma forma de evitar o acesso à propriedade da terra por parte de futuros imigrantes. Ela estabelecia, por exemplo, que as terras públicas deveriam ser vendidas por um preço suficientemente elevado para afastar posseiros e imigrantes pobres. Estrangeiros que tivessem passagens financiadas para vir ao Brasil ficavam proibidos de adquirir terras, antes de três anos após a chegada. Em resumo, os grandes fazendeiros queriam atrair imigrantes para começar a substituir a mão de obra escrava, tratando de evitar que logo eles se convertessem em proprietários|2|.
Apesar dessa medida, o grande centro econômico do Brasil – o Sudeste, com suas plantações de café – somente passou a utilizar a mão de obra imigrante de maneira consistente a partir da década de 1880, quando a instituição da escravidão dava claros indícios de esgotamento e decadência. Durante esse período (1850-1880), o Sudeste brasileiro fortaleceu a migração interna de escravos, comprando-os de regiões economicamente decadentes – como o Nordeste.
Em 1871, foi decretada uma nova lei que apresentava avanços no sentido de promover a abolição no Brasil, mas ainda dentro da proposta de garantir que esse processo acontecesse de maneira morosa. Essa lei ficou conhecida como Lei do Ventre Livre e decretava que todo filho de escravo nascido no Brasil a partir de 1871 teria sua liberdade garantida ao completar 21 anos. O dono do escravo poderia libertá-lo precocemente aos oito anos em troca de uma indenização.
O decreto dessa lei faz sentido quando se analisa que, após a Guerra do Paraguai (encerrada em 1870), a adesão ao movimento abolicionista cresceu consideravelmente, inclusive no seio do exército. Apesar disso, a Lei do Ventre Livre teve baixo impacto, uma vez que pouquíssimos escravos foram entregues aos oito anos.
Ainda assim, o crescimento do movimento abolicionista foi considerável, e nomes como José do Patrocínio e André Rebouças destacaram-se na luta pelo fim dessa instituição no Brasil. A decadência da escravidão, sobretudo no Norte e Nordeste do Brasil, fez com que estados, como o Ceará, decretassem a abolição da escravidão em seu território por conta própria em 1884.
No ano seguinte, portanto em 1885, a Lei dos Sexagenários foi decretada. Ela foi vista como uma grande derrota pelos abolicionistas, pois refletia a possibilidade de adiar por mais tempo o decreto da abolição. A Lei dos Sexagenários determinou que todo escravo a partir de 65 anos de idade seria considerado livre. Essa lei foi considerada uma piada nacional, pois pouquíssimos escravos alcançavam essa idade e não dava garantias de sustento para aqueles que fossem libertos em uma idade tão avançada.
Nesse contexto, os cafeicultores paulistas já estavam investindo fortemente em mecanismos que garantiam a atração de imigrantes para substituir a escravidão. A decadência da instituição da escravidão, nessa época, foi intensificada pelos reflexos negativos que sua manutenção trazia ao Brasil internamente e externamente.
O país era o único das Américas que ainda mantinha essa mão de obra (os Estados Unidos haviam abolido a escravidão em 1863, e Cuba, em 1879). Além disso, nos quadros internacionais, isso refletia negativamente para o país, uma vez que nações como Inglaterra e França criticavam abertamente o país por isso. Por fim, rebeliões de escravos estavam acontecendo com frequência – muitas incentivadas por abolicionistas.
Percebendo que manter a escravidão no país era inviável em todos os sentidos, o político conservador João Alfredo Correia de Oliveira lançou o projeto pela abolição sem restrições. Esse projeto tramitou até sua aprovação e ratificação, dada pela princesa Isabel em 13 de maio de 1888. Com a Lei Áurea, os escravos foram libertados e seus donos não receberam compensação do governo.
Apesar de abolir a escravidão, o governo brasileiro não criou nenhum mecanismo que garantia a integração do negro na sociedade brasileira. Assim, essa parte da população foi colocada às margens e, sem oportunidades, não teve chances de ascender socialmente, o que provocou os altos níveis de desigualdade que caracterizam a sociedade brasileira. Conforme pontua Boris Fausto:
[…] a abolição da escravatura não eliminou o problema do negro. A opção pelo trabalhador imigrante, nas áreas regionais mais dinâmicas da economia, e as escassas oportunidades abertas ao ex-escravo, em outras áreas, resultaram em uma profunda desigualdade social da população negra. Fruto em parte do preconceito, essa desigualdade acabou por reforçar o próprio preconceito contra o negro. Sobretudo nas regiões de forte imigração, ele foi considerado um ser inferior, perigoso, vadio e propenso ao crime; mas útil quando subserviente|3|.
|1| SKIDMORE, Thomas E. Uma História do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998, p. 79.
|2| FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2013, p. 169.
|3| Idem, p. 189.
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