João Guimarães Rosa foi um dos grandes nomes da literatura brasileira do século XX, tendo escrito obras célebres, dentre as quais se destacam Sagarana (1946) e Grande Sertão: Veredas (1956). Esta última foi produto de uma longa viagem realizada junto a vaqueiros no interior do estado de Minas Gerais.
A viagem pelo interior do Brasil em busca de elementos da cultura nacional não foi um pioneirismo de Guimarães Rosa. Antes dele, Heitor Villa-Lobos e Mário de Andrade haviam realizados jornadas com o objetivo de conhecer a cultura do interior do Brasil para compor suas obras, musicais ou literárias.
A viagem de Guimarães Rosa iniciou-se em maio de 1952 e proporcionou a ele o contato com a cultura dos boiadeiros sertanejos pelos 240 quilômetros percorridos entre as cidades de Araçaí e Três Marias, durante 10 dias. Com uma caderneta pendurada ao pescoço, Guimarães Rosa anotava tudo que via e ouvia pelo caminho, além de questionar os vaqueiros e escrever suas conversas.
Vivendo o cotidiano dos boiadeiros no sertão mineiro, Guimarães Rosa dividiu com eles a comida, como a carne-seca, o toucinho, o feijão e o arroz com pequi, além dos locais de pouso ao longo do caminho. Algumas curiosidades vivenciou Guimarães neste percurso. Voltando ao sertão onde havia nascido, depois de anos como diplomata no exterior, Guimarães Rosa teria dormindo, em Barreiro do Mato, dentro de uma grande forma de rapadura, ou mesmo em um enorme tacho côncavo.
As cadernetas com suas anotações foram reunidas em dois diários, que Guimarães Rosa intitulou como A Boiada 1 e a Boiada 2, cujas anotações serviram de elementos para a produção de três livros: Corpo de Baile (1956), Tutameia (1967) e sua grande obra Grande Sertão: Veredas (1956). Nesse contato, o escritor pôde desenvolver sua marca registrada, que foram as inovações temáticas e linguísticas na literatura brasileira, utilizando das palavras e falas dos sertanejos para escrever suas obras.
Foi também dessa viagem que Guimarães Rosa construiu alguns de seus personagens, como o Manuel Jesus Rodrigues, O Manuelzão, presente em Uma Estória de Amor, novela que compõe Corpo de Baile. Manuelzão foi inspirado na vida de Manuel Nardy, um dos oito integrantes da comitiva acompanhada pelo escritor.
Outro vaqueiro que marcou Guimarães Rosa foi João Henrique Ribeiro, o Zito, que esteve bem próximo ao escritor durante a viagem, cumprindo as funções de guia, cozinheiro, além de ser também poeta. Sobre ele escreveu Guimarães Rosa: “Mostrou-me ainda (...) um caderno. (...) Vi depois: que sendo entre os dali a um tempo o cozinheiro melhor mais o maior guieiro – e dado em poeta”.
A viagem proporcionou o registro de uma cultura regional sertaneja que aos poucos foi se desfazendo, com o passar do tempo e as mudanças da história. Ao leitor, além do que pode encontrar nas referidas obras, fica aqui registrada a impressão de Guimarães Rosa sobre a viagem: “Saio montado num cavalo, pela minha Minas Gerais. Vou tomando nota das coisas. O caderno fica impregnado de sangue de sangue de boi, suor de cavalo, folha machucada”.