Em 1823, durante as discussões políticas da Assembleia Nacional Constituinte, reunida para aprovar a Constituição do Império do Brasil, houve uma proposta de se acabar, progressivamente, com a escravidão no país e desenvolver políticas de inclusão econômica e social dos negros dentro do sistema político imperial. Como veremos abaixo, essa proposta não teve êxito.
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O autor da Proposta
Quando o Brasil tornou-se independente de Portugal, em 1822, e o modelo político imperial passou a vigorar, com a coroação de D. Pedro I, havia uma nítida preocupação entre os “arquitetos” do império em como “construir uma Nação Brasileira”. Um desses “arquitetos” – isto é, os estadistas que ajudaram a consolidar as instituições do Brasil Império – era José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838).
José Bonifácio foi, além de hábil estadista, um intelectual de primeira grandeza, tendo estudado na Europa disciplinas como Retórica, Filosofia Natural, Direito e Matemática. Foi também em solo europeu, sobretudo na cidade de Coimbra, em Portugal, que Bonifácio tomou ciência de quão urgentes eram as resoluções para as questões da situação indígena e negra no Brasil e na América como um todo.
Bonifácio retornou da Europa para o Brasil em 1819, em pleno Período Joanino, quando o Brasil foi alçado à categoria de Reino Unido (junto a Portugal e Algarves) e também passou por muitas transformações na infraestrutura, economia, etc. Quando estourou a Revolução Portuguesa em 1820 e D. João VI viu-se forçado a voltar ao país natal, Bonifácio passou a integrar uma das juntas governativas que se formaram no Brasil, que reconheceram a autoridade de D. Pedro de Alcântara como Príncipe Regente. Essas mesmas juntas trabalharam para a Independência do Brasil e para a Coroação de Pedro de Alcântara, convertendo-o no imperador D. Pedro I.
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Fim da escravidão como projeto de Nação
Com a coroação de D. Pedro, José Bonifácio passou a ser um dos ministros do imperador e compôs a primeira Assembleia Constituinte do Brasil, reunida em 1823. Essa assembleia tinha o objetivo de harmonizar os interesses políticos liberais e conservadores, bem como consolidar as instituições imperiais. Foi no contexto dessas discussões que Bonifácio apresentou uma Representação e um Projeto de Lei a respeito da questão da escravidão.
A preocupação de Bonifácio era a de construir uma nação calcada no trabalho livre e na integração social. Para tanto, a abolição da escravatura era um fator importantíssimo. Contudo, ela não poderia ocorrer do dia para a noite (como foi em 1888), pois isso traria muitos danos à sociedade como um todo, visto que os negros não teriam nenhum tipo de amparo ou programa de inclusão social.
Bonifácio então sugeriu um paulatino processo de extinção da escravatura, a começar pela cessação gradual do tráfico de escravos (o que também seria exigido pelos ingleses – principal parceiro econômico do Brasil à época – por meio da lei Bill Aberdeen) em um espaço de 4 a 5 anos. Outra sugestão era regulamentar os processos de alforria, dando aos negros a plena segurança de conseguirem sua alforria quando fosse possível. Seguia-se a isso a obrigatoriedade do Estado de possibilitar também a assimilação social dos negros alforriados, como destaca o pesquisador Raul de Andrada e Silva:
“[...] Cumpria prover a assimilação social dos negros forros, tanto quanto a sua libertação. Daí, a medida consubstancial no art. X do projeto, segundo o qual a todos os forros que não tivessem ofício ou modo outro de ganhar a vida atribuiria o Estado uma pequena sesmaria para o cultivo e recursos para a exploração da mesma, devendo tudo ser pago a prazo.” P. 501
O projeto ainda previa o fim dos castigos físicos e das jornadas de trabalho exaustivas e insalubres nas lavouras, entre outras medidas que preparavam o país para o fim total da escravidão. Dessa forma, Bonifácio teve o cuidado de procurar harmonizar a libertação dos negros cativos com uma gradual reforma da propriedade rural brasileira. A inclusão social, nesse caso, passava por um crivo maior, o da reformulação da própria ideia de nação.
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Dissolução da Constituinte de 1823
O problema é que as lideranças aristocráticas que davam apoio a Dom Pedro I não estavam de acordo com tais propostas e com muitas outras apresentadas na Constituinte de 1823. O imperador dissolveu a Constituinte por meio de um decreto no dia 12 de novembro. Bonifácio ficou exilado durante seis anos. Praticamente nada do seu projeto foi aproveitado.
D. Pedro I aprovou um texto constitucional terminado por um Conselho de Estado em 1824. Os problemas do regime escravista não foram abordados nessa Constituição.