Dilma Vana Rousseff foi empossada como presidente da República Federativa do Brasil pela primeira vez em 01 de janeiro de 2011, tendo vencido um seguindo pleito nas eleições de 2014. O seu segundo mandato, contudo, foi interrompido em 31 de agosto de 2016, em virtude de sua destituição do cargo por meio de um processo de impeachment. Esse tipo de processo prevê também a perda dos direitos políticos do Presidente da República, mas tal não ocorreu com Dilma por motivos que veremos ao final deste texto.
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Pedidos de impeachment contra Dilma Rousseff
Ao longo do ano de 2015, foram protocolados na Câmara dos Deputados 50 pedidos de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, dos quais 39 foram arquivados por falta de provas e/ou argumentação jurídica sustentável. Os onze pedidos que restaram concentravam-se, com as devidas variações, em objetos de acusação, como a relação do governo da então presidente com o escândalo de corrupção da Petrobras, investigado pela Operação Lava Jato, e a violação de leis relativas ao orçamento e ao controle fiscal, como a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
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Pedido acolhido na Câmara dos Deputados
O pedido de impeachment que foi acolhido pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), em 2 de dezembro de 2015, foi elaborado pelos juristas Miguel Reale Jr., Janaína Conceição Paschoal e Hélio Bicudo (esse último membro fundador do Partido dos Trabalhadores) e protocolado em 15 de outubro do mesmo ano. Três líderes de movimentos sociais que ajudaram a articular as grandes manifestações de rua de 2015 assinaram o pedido acolhido por Cunha em apoio aos três juristas. Foram eles: Kim Patroca Kataguiri (Movimento Brasil Livre – MBL), Rogério Chequer (Vem Pra Rua) e Carla Zambelli Salgado (Movimento Contra a Corrupção).
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Abertura do processo e o afastamento de Dilma Rousseff
Com o acolhimento do pedido por Eduardo Cunha, coube às duas casas do Congresso Nacional, a Câmara e Senado, decidirem pela abertura do processo de impeachment. No dia 17 de abril de 2016, o plenário da Câmara votou pela admissibilidade do processo. 367 deputados federais votaram a favor, e o processo seguiu para o Senado. Em 12 de maio, 55 senadores votaram a favor da instauração do processo, que teve duas consequências imediatas: a formação de uma Comissão Especial de Impeachment, para investigar as denúncias constantes no pedido e expor as posições da defesa e da acusação, e o afastamento temporário da presidente Dilma. Em seu lugar, assumiu interinamente o seu vice, Michel Temer (PMDB).
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Argumentos dos denunciantes
Na peça da denúncia do trio de juristas citados acima, foi mencionada a relação de Dilma com o escândalo de corrupção da Petrobras (apontada na delação do ex-senador Delcídio do Amaral [PT] à Operação Lava Jato) e o caso da compra da refinaria de Pasadena, nos EUA, pela Petrobras, na época em que Dilma era membro do Conselho de Administração da estatal. Porém, a parte da denúncia que efetivamente se tornou objeto do processo foi aquela relativa ao crime de responsabilidade fiscal (previsto no artigo 85 da Constituição Federal e na lei 1.079/1950), que teria sido cometido pela presidente com a edição de decretos de créditos suplementares sem a aprovação do Congresso Nacional e a realização de operação de crédito com instituição financeira controlada pela União.
O trecho da denúncia em que fica claro o pedido pode ser lido a seguir:
Os denunciantes, por óbvio, prefeririam que a Presidente da República tivesse condições de levar seu mandato a termo. No entanto, a situação se revela tão drástica e o comportamento da Chefe da nação se revela tão inadmissível, que alternativa não resta além de pedir a esta Câmara dos Deputados que autorize seja ela processada pelos crimes de responsabilidade previstos no artigo 85, incisos V, VI, e VII, da Constituição Federal; nos artigos 4º, incisos V e VI; 9º, números 3 e 7; 10 números 6, 7, 8 e 9; 11º, número 3, da Lei 1.079/1950. [1]
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Argumentos da defesa e a narrativa do “golpe parlamentar”
Dilma Roussef teve como defensor o advogado José Eduardo Cardozo, além do grupo de senadores de partidos como PT, PMDB e PC doB, que procuraram vencer as argumentações dos denunciantes e dos senadores da oposição. Um dos pontos fundamentais da defesa dizia respeito à suposta fragilidade da peça acusatória, isto é, o pedido de impeachment, assim como tantos outros protocolados, não teria, segundo a defesa, provas plausíveis que pudessem sustentar a acusação de crime de responsabilidade.
Como justificativa, a defesa insistiu no argumento de que a edição dos decretos de suplementação pela presidente foram “meras autorizações de gasto” e não tiveram, portanto, qualquer “impacto na realização da despesa. Esta, por sua vez, seria controlada pelos decretos de contingenciamento. Quanto a esse aspecto, no ano de 2015, o governo teria promovido o maior contingenciamento da história e cumprido a meta vigente ao final do exercício” [2].
Entendendo, ainda, por fim, que a falta de sustentação probatória aliava-se com uma articulação conspiratória de alguns atores políticos do momento, como o deputado Eduardo Cunha e o próprio vice-presidente Michel Temer, a defesa procurou advogar que todo o processo tratava-se de um “golpe parlamentar” contra a presidente.
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Entendimento da relatoria
A narrativa do “golpe parlamentar” e os argumentos da defesa foram rechaçados pelo relator do processo, o senador Antônio Anastasia, do PSDB de Minas Gerais. Segundo Anastasia:
O contingenciamento realizado ao longo de 2015, de aproximadamente R$ 79,5 bilhões, não é um indicador de responsabilidade fiscal, mas de irrealismo dos parâmetros com base nos quais foi elaborado o projeto da LOA (Lei Orçamentária Anual) 2015. Em agosto de 2014, momento em que este foi encaminhado ao Congresso Nacional, a expectativa do mercado era de crescimento do PIB em 1,1%, mas o parâmetro adotado pelo Executivo foi de 3%. [3]
Prossegue o relator:
A abertura de créditos suplementares por decreto é uma exceção à regra geral de fixação das dotações orçamentárias em lei. Nesse sentido, a Constituição veda expressamente a abertura de crédito suplementar sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes (art. 167, V). A edição dos decretos, objeto deste processo, como demonstrado, violou flagrantemente esse dispositivo constitucional, revelando conduta irresponsável da denunciada com relação aos deveres de diligência que lhe são atribuídos com vistas à tutela do equilíbrio das contas públicas. [4]
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Votação final e “fatiamento”
Depois de finalizados os trabalhos na Comissão Especial de Impeachment, deu-se início à fase final do processo. Essa fase transcorreu entre os dias 29 e 31 de agosto de 2016. No primeiro dia, a presidente Dilma Rousseff foi à tribuna do Senado Federal fazer o seu discurso de defesa, sendo, depois, interrogada pelos senadores, que, na ocasião, tinham poder de juízes. Posteriormente, ocorreram as argumentações finais do advogado de defesa (J. E. Cardozo) e de acusação (Janaína Paschoal).
No dia 31, ocorreu a votação final. Antes que a votação fosse efetivada, um requerimento da bancada do Partido dos Trabalhadores foi apresentado ao presidente da sessão, Ricardo Lewandowski, pelo primeiro-secretário do Senado, senador Vicentinho Alves. Esse requerimento pedia um destaque, uma separação do texto da pena prevista no artigo 52 da Constituição Federal. O texto único que prevê a perda do mandato e a inabilitação para o exercício de funções públicas foi dividido em dois.
Ricardo Lewandowski acatou o pedido de destaque e a penalidade prevista foi “fatiada” em duas votações. Assim, Dilma perdeu o mandato com a primeira votação, mas ficou com seus direitos políticos preservados com a segunda votação. Isso gerou intensa polêmica entre políticos e juristas, posteriormente, já que houve uma clara modificação da resolução prevista na Constituição de 1988.
NOTAS
[1] BICUDO, PASCHOAL, REALE. Pedido de Impeachment da Presidente da República Dilma Rousseff. pp. 60-61.
[2] ANASTASIA, Antônio. Parecer sobre a Comissão Especial do Impeachment. p. 258.
[3] ANASTASIA, Antônio. Idem. p. 260.
[4] ANASTASIA, Antônio. Ibidem. p. 262.
* Créditos da imagem: Agência Senado Federal