Um dos grandes problemas que assolavam o Rio de Janeiro durante o século XIX eram as constantes epidemias que atingiam a população da capital do Império. Eram comuns os surtos de cólera, varíola e febre amarela na cidade, principalmente durante o verão, em decorrência das péssimas condições sanitárias do espaço urbano. O higienismo urbano era apontado como uma das formas de erradicar esse problema.
Tal situação levava inclusive a família imperial e membros da elite social a saírem da cidade nessa época, fugindo da ameaça das doenças, já que filhos de D. Pedro II morreram em decorrência de epidemias.
Entretanto, as soluções apontadas pelo governo imperial para resolver a situação ocorreram através de medidas repressivas e autoritárias, em vez de maiores investimentos em saneamento básico. Um dos principais focos de combate às epidemias eram as habitações coletivas da cidade, conhecidas como cortiços. Em face das péssimas condições de higiene nesses locais, já que não havia sistema de coleta de esgotos (cuja construção iniciou-se na década de 1860), essas habitações eram insalubres.
Os principais propagadores dessa concepção eram os médicos intelectuais que faziam as investigações, apontavam os problemas e apresentavam as soluções. Esses médicos ficaram conhecidos como sanitaristas ou mesmo higienistas. Entretanto, os “prognósticos” desses médicos não se resumiam às analises medicinais, assumindo muitas vezes um caráter social e de vigilância moral dos comportamentos dos indivíduos, já que as doenças eram decorrentes do ambiente em que a população habitava.
Em muitos momentos a solução para os problemas passava pela “limpeza” desses ambientes. Durante o Império, essa noção de “limpeza” não chegaria ao extremo da década de 1900, com a expulsão da população pobre do centro da cidade do Rio de Janeiro. Mas medidas repressivas e fiscalizadoras foram adotadas já na década de 1850. Duas grandes epidemias ocorreram nessa década: uma de febre amarela em 1850, e uma de cólera em 1855.
O governo imperial decidiu criar a Junta Central de Higiene, e a Câmara Municipal da Corte buscou regulamentar a existência das habitações coletivas. Mas as medidas previstas não passavam pela construção de novas e melhores habitações para a população mais pobre da cidade. Elas centravam-se em medidas que garantiriam um controle sobre os habitantes por parte das forças policiais.
Propuseram a necessidade de existir um livro de controle dos hóspedes em cada habitação coletiva, além de estipular uma visita frequente de policiais a esses locais. Isso seria uma garantia para se avaliar se havia estrangeiros irregulares habitando os locais, além da averiguação de pessoas “suspeitas”, uma categoria que permitia toda sorte de arbitrariedades da polícia contra os habitantes dos cortiços.
Essas medidas eram uma resposta à preocupação da elite brasileira com a população pobre das cidades, considerada como “classe perigosa” da sociedade. Não somente perigosa no sentido da organização do trabalho e da manutenção da ordem pública desejada pelas elites, mas também em virtude do perigo de contágio que a população supostamente carregava. Perigosa no contágio das doenças, mas também perigosa no “contágio” de seus vícios às novas gerações que eram criadas nas habitações coletivas. A própria educação a ser recebida por essas crianças era entendida como uma possível doença que deveria ser combatida.
Nesse sentido, essas propostas de higienização urbana carregavam uma grande carga de preconceitos sociais e morais, que eram tratados como problemas sanitários. A solução dos problemas sociais no processo de formação do Estado brasileiro não passava por melhorias nas condições de vida, mas sim pela repressão e fiscalização das forças policiais.