A Guerra do Paraguai foi o maior conflito internacional que aconteceu na história do continente sul-americano. Esse conflito iniciou-se em dezembro de 1864 e arrastou-se até março de 1870, deixando um rastro de morte e destruição, sobretudo no Paraguai, o grande afetado. As razões que levaram ao início da guerra foram e ainda são alvo de intenso estudo por parte dos historiadores.
A historiografia da Guerra do Paraguai
O entendimento a respeito dos eventos, sobretudo das causas da Guerra do Paraguai, sofreu diversas transformações entre os historiadores. As diferentes interpretações existentes sobre esse evento são chamadas pelos historiadores de historiografia. Ao longo do século XX, existiram três diferentes historiografias.
Primeiramente, a historiografia tradicional interpretava a Guerra do Paraguai a partir de uma visão ufanista, ou seja, nacionalista. Essa historiografia afirmava que a guerra havia sido causada pelo expansionismo e pela megalomania do presidente paraguaio. Assim, a atuação brasileira teria sido apenas uma resposta à agressão paraguaia. Essa historiografia foi muito comum até a década de 1960.
A partir da década de 1960, surgiu a historiografia revisionista, que foi muito comum no Brasil até meados da década de 1990. Essa interpretação entendia a guerra como resultado do imperialismo inglês na região da bacia platina.
Segundo o revisionismo histórico, o Paraguai havia construído um modelo de desenvolvimento fechado e autônomo. Era uma nação modernizada, com uma indústria em crescimento e índices de desenvolvimento sociais elevados. Por essa razão, a Inglaterra teria manipulado Brasil e Argentina para que ambas iniciassem uma guerra contra o Paraguai para destruir sua economia e sujeitá-la aos interesses dos ingleses.
Esse revisionismo da Guerra do Paraguai passou a sofrer intensas críticas de historiadores por não possuir comprovação documental e histórica. Novos estudos realizados na área levaram os historiadores a novas conclusões a respeito do conflito, que mostraram a imprecisão histórica da análise feita pelos revisionistas.
Os novos estudos na Guerra do Paraguai resultaram na historiografia moderna ou pós-revisionista. Aqui no Brasil, dois nomes que são referências na área são os dos historiadores Ricardo Salles e Francisco Doratioto. Ambos os historiadores comprovaram que as causas da Guerra do Paraguai estão resumidas ao processo de consolidação das nações da bacia platina. O choque dos interesses políticos e econômicos levou as nações ao conflito.
Causas da Guerra do Paraguai
A região fronteiriça entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai era bastante complexa politicamente e, desde meados da década de 1840, acumulava uma grande tensão entre os diversos atores existentes. As tensões consolidaram-se a partir da década de 1860 e tiveram como grande estopim a intervenção brasileira na Guerra Civil Uruguaia.
É importante ressaltar que as causas da Guerra do Paraguai estão concentradas no processo de consolidação das nações da bacia platina e no choque de interesses entre dois grupos que foram convergindo-se politicamente naquele período. O ponto de partida para a escalada das tensões ocorreu a partir de 1862, quando Francisco Solano López assumiu a presidência do Paraguai.
Francisco Solano López governava o Paraguai de maneira ditatorial, perseguindo seus opositores políticos (grande parte deles estava presa ou havia fugido do Paraguai), e utilizava-se de sua posição para seu próprio enriquecimento. O ditador paraguaio assumiu uma posição firme na geopolítica da região, tentando transformar o Paraguai em uma potência política alternativa que rivalizasse com Brasil e Argentina.
A partir de 1862, Francisco Solano López aliou-se aos federalistas argentinos, liderados por Justo José de Urquiza. Os federalistas eram um grupo rebelde da Argentina que lutava contra o projeto de centralização liderado pelos unitaristas de Buenos Aires, personificados na figura de Bartolomé Mitre, presidente argentino.
A aproximação do Paraguai com os federalistas permitiu uma aproximação com o Partido Blanco (do Uruguai), liderado por Bernardo Berro e Atanasio Aguirre. A aproximação dos paraguaios com os blancos era de vital importância para a economia paraguaia, pois permitiria ao país utilizar o porto de Montevidéu como saída marítima.
A aproximação do Paraguai com os federalistas argentinos e com os blancos representava uma forte ameaça para o governo argentino, uma vez que Bartolomé Mitre lutava contra os federalistas e apoiava o adversário político dos blancos, chamados de colorados. A aliança entre Paraguai e blancos também era uma ameaça para o Brasil, pois o Império também apoiava os colorados.
Formava-se assim um bloco imaginário de dois grupos, cada qual apresentava interesses econômicos e políticos distintos: de um lado, Paraguai, federalistas argentinos e blancos; do outro lado, Brasil, Argentina e colorados. A disputa política uruguaia foi, inclusive, o estopim para o início da Guerra do Paraguai em 1864.
Antes do início da guerra, as relações entre Brasil e Paraguai já estavam bastante abaladas por causa da disputa fronteiriça existente entre os dois países por uma região que atualmente corresponde à parte do Mato Grosso do Sul. Além disso, havia a disputa pelo mercado de erva-mate e a discussão acerca da navegação dos rios da bacia platina que cruzavam o território paraguaio.
Brasil e Paraguai debatiam havia muitos anos a questão da navegação dos rios que cruzavam o território paraguaio. O Brasil era favorável à livre navegação na região, e os paraguaios impunham algumas restrições às ambições brasileiras. O interesse do Brasil na livre navegação existia por ser a única forma de o Rio de Janeiro manter contato com Cuiabá, já que não existiam estradas terrestres para a capital mato-grossense na época.
Por fim, todo esse quadro de tensão convergiu para a disputa política que se iniciou no Uruguai a partir de 1863. Nesse ano, forças do Partido Colorado lideradas por Venancio Flores invadiram o Uruguai e iniciaram uma guerra civil contra o governo do Partido Blanco.
A guerra abalou as relações entre Brasil e Paraguai quando o governo brasileiro passou a dar demonstrações de que interferiria no conflito ao lado dos colorados. A postura brasileira foi resultado das pressões dos estancieiros gaúchos que estavam sendo economicamente prejudicados pela política antibrasileira praticada pelo governo blanco. O governo brasileiro exigiu explicações contra supostas agressões cometidas contra cidadãos brasileiros residentes no Uruguai.
A postura brasileira acabou levando a uma intervenção armada no Uruguai, com a invasão do país por tropas brasileiras em setembro de 1864. Apesar de suas justificativas, a intervenção brasileira no Uruguai explicava-se pelos interesses econômicos do país em instalar um governo com política econômica que favorecesse o Brasil (nesse caso, os colorados).
Como a intervenção brasileira em favor dos colorados prejudicava os interesses políticos e econômicos do Paraguai, o presidente do país, Francisco Solano López, impôs um ultimato ao Brasil para que o país não interviesse no Uruguai. A ameaça paraguaia não surtiu efeitos, uma vez que, conforme mencionado, o Brasil invadiu o Uruguai em setembro de 1864.
A postura do Paraguai contra o Brasil na questão uruguaia foi reforçada porque Francisco Solano López havia sido convencido por políticos blancos que a postura brasileira visava, na verdade, a anexar o Uruguai e que isso representaria uma ameaça ao Paraguai, pois o país supostamente seria alvo do Brasil. Essa visão, no entanto, não correspondia à realidade, pois os historiadores conseguiram comprovar que a ação da Brasil visava apenas alinhar o Uruguai aos seus interesses econômicos.
De qualquer maneira, a invasão do Uruguai acabou sendo o estopim da Guerra do Paraguai. Em dezembro de 1864, uma embarcação brasileira – Marquês de Olinda – que navegava pelo Rio Paraguai e acabava de passar por Assunção (capital do Paraguai) foi aprisionada. Além disso, tropas paraguaias invadiram a província brasileira do Mato Grosso. Isso marcou o início da Guerra do Paraguai.
A entrada da Argentina no conflito ocorreu quando o Paraguai ordenou a invasão da província de Corrientes. Essa atitude fez com que Brasil, Argentina e Uruguai (agora governado pelos colorados) se unissem a partir do Tratado da Tríplice Aliança para destituir Francisco Solano López da presidência paraguaia.
Por fim, segue a citação do historiador Francisco Doratioto acerca das causas da Guerra do Paraguai:
A Guerra do Paraguai foi fruto das contradições platinas, tendo como razão última a consolidação dos Estados nacionais na região. Essas contradições se cristalizaram em torno da Guerra Civil Uruguaia, iniciada com o apoio do governo argentino aos sublevados, na qual o Brasil interveio e o Paraguai também. Contudo, isso não significa que o conflito fosse a única saída para o difícil quadro regional. A guerra era uma das opções possíveis, que acabou por se concretizar, uma vez que interessava a todos os Estados envolvidos. Seus governantes, tendo por base informações parciais ou falsas do contexto platino e do inimigo potencial anteviram um conflito rápido, no qual seus objetivos seriam alcançados com o menor custo possível. Aqui não há “bandidos” ou “mocinhos” como quer o revisionismo infantil, mas sim interesses. A guerra era vista por diferentes ópticas: para Solano López era a oportunidade de colocar seu país como potência regional e ter acesso ao mar pelo porto de Montevidéu, graças a uma aliança com os blancos uruguaios e os federalistas argentinos, representados por Urquiza; para Bartolomé Mitre era a forma de consolidar o Estado centralizado argentino, eliminando os apoios externos aos federalistas, proporcionado pelos blancos e por Solano López; para os blancos, o apoio militar paraguaio contra argentinos e brasileiros viabilizaria impedir que seus dois vizinhos continuassem a intervir no Uruguai; para o Império, a guerra contra o Paraguai não era esperada, nem desejada, mas, iniciada, pensou-se que a vitória brasileira seria rápida e poria fim ao litígio fronteiriço entre os dois países e às ameaças à livre navegação, e permitiria depor Solano López|1|.
|1| DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 93-96.
*Créditos da imagem: Boris15 e Shutterstock
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