Para compreender a importância do momento da formação da primeira Assembleia Constituinte no Brasil, em 1823, e a sua posterior dissolução, efetuada pelo então monarca Dom Pedro I, no mesmo ano, é necessário que saibamos de alguns detalhes do que ocorria tanto no Brasil quanto em Portugal no início da década de 1820.
Sabemos que, em 1808, a Família Real Portuguesa, então capitaneada pelo Príncipe Regente Dom João VI, veio para o Brasil, em razão das investidas napoleônicas contra a Península Ibérica. Com a instalação da corte lusitana em solo brasileiro e a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido (junto a Portugal e Algarves), muitas transformações passaram a ocorrer, tanto no plano econômico quanto no plano político. O Brasil obteve um desenvolvimento muito grande nos 13 anos em que esteve aqui D. João VI, porém, Portugal entrou em uma crise política e institucional que ficou acirrada em 1821.
Desde o fim da Era Napoleônica (1799-1815), os países que haviam sido acossados por Napoleão procuraram retomar a sua ordem política. Em Portugal, esse processo aconteceu de forma conturbada, pois o rei encontrava-se no Brasil. As cortes portuguesas passaram, portanto, a pressionar D. João para que este regressasse ao país – o que acabou acontecendo ainda nesse ano. Ao mesmo tempo, no Brasil, graves problemas de ordem política pululavam. Em 1817, já havia acontecido a Revolução Pernambucana, de caráter radicalmente liberal. Os brasileiros envolvidos com a política viam com preocupação o regresso de D. João VI, haja vista que isso poderia representar um retorno da submissão do Brasil a Portugal.
Toda essa situação caminhou, como sabemos, para o processo de Independência e a coroação de D. Pedro, que havia ficado no Brasil como príncipe regente. De 1822 para 1823, o imperador solicitou às cortes luso-brasileiras a elaboração de uma Constituição para que seu reinado fosse reconhecido e validado. A Assembleia formou-se em maio de 1823, no Rio de Janeiro. Porém, entre os seus integrantes, não havia nenhum liberal radical – a exemplo de Cipriano Barata, que participou da Revolução de 1817. A maior parte dos constituintes de orientação liberal eram moderados, partidários de uma legislação que colocasse limites no poder executivo e garantisse as liberdades individuais.
O ministro de D. Pedro I, José Bonifácio de Andrade e Siva, teve, inicialmente, um papel de mediador entre os interesses dos constituintes liberais e os de orientação conservadora, partidários do imperador. Entretanto, duas das pautas levaram o debate a um ponto de saturação: as questões do poder de dissolução da Câmara dos Deputados e do poder de veto absoluto sobre as leis elaboradas, conferidos ao executivo, isto é, a D. Pedro I. Como narra o historiador Boris Fausto em sua obra História do Brasil, a situação era de incerteza política:
“Os tempos eram de incerteza política. Menos de um ano após a Independência em julho de 1823, José Bonifácio foi afastado do ministério, porque ficara espremido entre a crítica dos liberais e as insatisfações dos conservadores. Estes viam com maus olhos o comando pessoal do governo pelo ministro, que lhe fechava o acesso direto ao trono. Daí para frente, na Constituinte, para a qual foram eleitos, e nas páginas do jornal O Tamoio, José Bonifácio e seus irmãos Antônio Carlos e Martim Francisco fariam constante oposição ao governo e aos democratas, insinuando que a independência do país se via ameaçada tanto pelos 'corcundas' (reacionários) e 'pés de chumbo' (portugueses) como pelos 'radicais'”. [1]
A posição de D. Pedro e de seus partidários acabou prevalecendo por meio da força. O imperador dissolveu a Constituinte com o apoio do Exército. Muitos dos deputados foram presos e, em 1824, foi aprovada uma Constituição com feições absolutistas, em que se destacava o Poder Moderador, um “quarto poder” que permitia ao imperador controlar os demais poderes.
NOTAS
[1] FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2013. p. 128.