O boitatá é um dos principais personagens do folclore brasileiro, sendo representado como uma serpente de fogo. Sua origem é indígena, anterior ao início da colonização brasileira, no século XVI, e é associada ao fogo fátuo, fenômeno natural em que ocorre a combustão de gases exalados pela decomposição de matéria orgânica.
Por se tratar de uma lenda, existem diversas variações regionais sobre o boitatá, assim como sua história se modifica com o tempo. Segundo cronistas do século XVI, o boitatá inicialmente era um faixo de fogo que perseguia os indígenas; atualmente, é um ser que pune aqueles que atacam a floresta, principalmente os incendiários.
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Tópicos deste artigo
- 1 - Resumo sobre boitatá
- 2 - Qual a origem e a história da lenda do boitatá?
- 3 - Principais características do boitatá
- 4 - As variações da lenda do boitatá no Brasil
- 5 - Curiosidades sobre o boitatá
Resumo sobre boitatá
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Boitatá, a “cobra de fogo”, é uma lenda do folclore brasileiro.
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A lenda do boitatá é associada ao fogo fátuo, assim como a lenda da mãe do ouro.
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A lenda recebeu influência cristã após a chegada dos europeus, e a cobra passou a ser considerada uma sobrevivente do dilúvio.
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O primeiro relato sobre a lenda do boitatá foi feito pelo Padre José de Anchieta em 1560.
Qual a origem e a história da lenda do boitatá?
A origem da lenda do boitatá é indígena, antes mesmo da chegada dos portugueses por aqui, em 1500. Ainda no século XVI, o padre José de Anchieta descreveu parte da lenda do boitatá, segundo ele:
Há também outros, maximè nas praias, que vivem a maior parte do tempo junto do mar e dos rios, e são chamados baetatá, que quer dizer “coisa de fogo”, o que é o mesmo como se dissesse “o que é todo fogo”. Não se vê outra coisa senão facho cintilante correndo daqui para ali; acomete rapidamente os índios e mata-os, como os curupiras: o que seja isto, ainda não se sabe com certeza.|1|
Na descrição de Anchieta, o boitatá, chamado por ele de baetatá, é apenas um facho cintilante, provavelmente relacionado ao fogo fátuo, fenômeno natural que ocorre em locais onde existe matéria orgânica em decomposição, como em pântanos e cemitérios.
No fogo fátuo, a matéria orgânica em decomposição no subsolo libera fosfina e metano, estes dois gases percolam pelo solo, subindo e entrando em contato com o oxigênio do ar, entrando em uma combustão que geralmente emite uma luz azulada e faz um estrondo, assustando aqueles que observam o fenômeno.
Algumas vezes, o fogo fátuo forma uma coluna de fogo, o que provavelmente originou a lenda do boitatá. Para Anchieta, a palavra baetatá significaria “coisa de fogo”, embora alguns linguistas defendam que a palavra original seria m’boitatá, em tupi-guarani, “cobra de fogo”.
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Principais características do boitatá
Por se tratar de uma lenda, que tem muitos séculos e é contada em diversas regiões do território brasileiro, as principais características do boitatá variam. Geralmente ele é descrito como uma grande cobra, com dois ou diversos olhos de fogo. Também pode ser descrito como uma serpente inteira de fogo ou, como na descrição do Padre Anchieta, apenas como uma grande chama.
No século XVI, ele era um ser maléfico que devorava as pessoas. Na atualidade, a lenda afirma que ele ataca as pessoas que fazem mal à floresta, principalmente aqueles que a incendeiam.
As variações da lenda do boitatá no Brasil
Como toda lenda do folclore, a do boitatá tem diversas variações no território nacional:
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Na região Sul: região marcada pela presença dos jesuítas, a cultura indígena se fundiu às tradições católicas, e a lenda do boitatá é associada ao dilúvio bíblico. No Sul, o boitatá ficou no topo de uma grande árvore durante o dilúvio, e, após o recuo das águas, se fartou com a carne dos animais mortos. Em uma das versões da lenda nessas regiões, o boitatá se alimentou somente dos olhos dos animais mortos, roubando o brilho deles.
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Na região Amazônica: a lenda conta que o boitatá passou por uma metamorfose, transformando-se de tronco para a sua forma de cobra. Assim como o curupira, o boitatá protege a floresta, atacando aqueles que a incendeiam.
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No Centro-Oeste: a lenda do boitatá se funde à lenda do minhocão do pari — grande serpente que vive no fundo do rio Cuiabá e vira as embarcações dos pescadores que pescam acima do que precisam ou em época da reprodução dos peixes — e à lenda da mãe do ouro, personagem associada também ao fogo fátuo.
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Na região Nordeste: o boitatá também pode ser associado à alma dos compadres e das comadres, uma serpente que rasteja pelo chão da floresta durante a noite. A crença é a de que essa forma de serpente seja uma punição às almas daqueles que pecaram durante a vida.
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Na região Sudeste: o boitatá, em muitas regiões, é representado como uma cobra com diversos olhos brilhantes que devora todos aqueles que desmatam, incendeiam a floresta ou que caçam.
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Curiosidades sobre o boitatá
→ Boitatá e boiguaçu
Nas regiões que anteriormente foram povoadas pelos guarani, existe a lenda do boiguaçu, a “cobra grande”. A lenda é semelhante à do boitatá: boiguaçu é uma grande serpente que devora aqueles que fazem mal à natureza.
→ Outra lenda associada ao fogo fátuo
Nas antigas regiões mineradoras, como em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, o fogo fátuo é associado também à mãe do ouro, personagem do folclore que indica para os garimpeiros os locais das jazidas de ouro e que pune as pessoas más, sobretudo maridos que agridem suas esposas.
→ “Boi” em palavras de origem indígena
A palavra boi, com o significado indígena de “cobra”, está presente no nome de diversas cidades e bairros do Brasil, como Boituva (muitas cobras) e Boiçucanga (cobra de cabeça grande).
→ Boitatá e anaconda
Câmara Cascudo, folclorista brasileiro, defendeu que a origem do boitatá se relaciona ao fogo fátuo e à anaconda, maior espécie de cobra da América do Sul e a segunda maior do mundo.
→ Outro mito indígena sobre cobras
Um mito indígena associado às cobras é o de tuluperê, uma enorme serpente que devora pessoas que se banham nas águas dos rios. Um dia os indígenas conseguiram cercar tuluperê e atirar diversas flechas nela. A cobra, ferida, afundou no rio, mas, antes, os indígenas observaram as manchas de sua pele, e, com elas, aprenderam a fazer a cestaria.
Nota
|1|ANCHIETA, J. de. Cartas de São Vicente: 1560. Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. São Paulo, 2010.
Fontes
ANCHIETA, J. de. Cartas de São Vicente: 1560. Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. São Paulo, 2010.
CASCUDO, L. da C. Folclore do Brasil. Editora Global, Rio de Janeiro, 2017.
MAGALHÃES, B. de. O folclore do Brasil. Edições do Senado Federal, Brasília, 2006.
NETO, S. L. Contos gauchescos e lendas do Sul. Editora l&PM, Porto Alegre, 1998.