Caio Prado Júnior

Caio Prado Júnior é um dos grandes nomes da historiografia brasileira. Foi historiador e economista, mas sua obra coloca-o entre os grandes nomes da sociologia clássica brasileira do século XX. Foi, como Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre, um intérprete do Brasil.

Sua análise de cunho marxista credencia-o como pioneiro na formação de uma corrente sociológica marxista especificamente brasileira. Os dois conceitos centrais de sua obra são

  • colonização
  • revolução

Para ele, a característica exploratória da colonização brasileira havia gerado severas consequências que só seriam superadas quando o capitalismo brasileiro se desenvolvesse ao ponto de formar uma burguesia forte para que, então, houvesse luta de classes e uma revolução brasileira.

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Biografia de Caio Prado Júnior

Caio Prado Júnior nasceu em 11 de fevereiro de 1907, na cidade de São Paulo. Foi o terceiro de quatro filhos de Caio e Antonieta, casal que havia unido duas distintas famílias da aristocracia paulistana: Prado, pela filiação paterna, e Álvares Penteado, pela filiação materna, ambas pertencentes à elite intelectual e econômica.

Sua educação foi de excelência, orientada por professores particulares, como era comum à classe alta da época. Ingressou no Colégio Jesuíta São Luís em 1918, e lá permaneceu até concluir o ensino secundário, com exceção do ano de 1920, em que passou uma temporada em Eastbourn, na Inglaterra, com sua família e estudou no Colégio Chelmsford Hall.

Cursou Direito na Faculdade do Largo do São Francisco, de 1924 a 1928, tornando-se bacharel em ciências jurídicas aos 21 anos. Recém-formado, atuou em alguns escritórios de advocacia e iniciou sua militância política. Em 1928, filiou-se ao Partido Democrático (PD), dois anos mais tarde, participou da Revolução de 30, e, em 1931, integrou-se no Partido Comunista do Brasil (PCB). Não apoiou a Revolução Constitucionalista de 1932, ocorrida em São Paulo, por enxergar nela um risco de retorno ao regime antigo.

Caio Prado Júnior participou da Revolução de 30 e militou na Aliança Nacional Libertadora e no Partido Comunista Brasileiro. [1]

Sua estreia como escritor deu-se em 1933, com o ensaio “Evolução política do Brasil”. De orientação intelectual marxista, aplicou o materialismo dialético à história brasileira desde a Colônia até o fim do Império. Nesse mesmo ano, viajou para a União Soviética, e, com base nessa experiência, escreveu o livro URSS: um novo mundo, lançado em 1934.

Caio Prado Júnior foi ativista político da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e chegou a ocupar a vice-liderança desse movimento que reunia comunistas, socialistas e tenentistas de esquerda. Por conta das ações promovidas pela ANL em oposição ao fascismo, ao imperialismo e à ditadura do Estado Novo, esteve preso por dois anos, entre 1935 e 1937, e em seguida exilou-se na Europa, de onde retornou em 1939.

Em 1942 lançou sua principal obra: Formação do Brasil contemporâneo, considerada um marco da historiografia brasileira. Em 1943 fundou, com Monteiro Lobato, Arthur Neves e Maria José Dupré, a Editora Brasiliense, uma das principais editoras do Brasil. Em 1947, após a redemocratização, elegeu-se deputado estadual por São Paulo, porém teve seu mandato cassado pelo presidente militar Eurico Gaspar Dutra, que, mesmo sob uma Constituição democrática, proibiu as atividades do PCB e dos sindicatos.

Durante as décadas de 1950 e 1960, sua atividade acadêmica também foi impedida por perseguição política, mesmo aprovado em concursos, era impedido de exercer a livre docência nas universidades públicas brasileiras. Caio Prado Júnior dedicou-se, então, à produção intelectual, publicou seus estudos e teses em livros e trabalhou como editor na Brasiliense. Em 1966 veio a público sua segunda obra mais importante: A revolução brasileira.

Durante a ditadura militar, teve de exilar-se novamente, pois teve seus direitos políticos cassados mais uma vez, e a Revista Brasiliense, ligada à editora, foi fechada assim que os militares tomaram o poder. Mudou-se para o Chile, retornando ao Brasil em 1971. Ao regressar foi condenado por subversão pelo Superior Tribunal Militar e ficou preso por um ano. Só foi solto mediante habeas corpus do Superior Tribunal Federal (STF).

Ao longo da vida, Caio Prado Júnior foi casado três vezes e teve três filhos. Com a primeira esposa, Hermínia Ferreira Cerquinho, casou-se em 1929 e teve dois filhos: Yolanda e Caio. Casou-se novamente, em 1942, com Maria Helena Nioac, com quem teve Roberto. Seu terceiro casamento foi com Maria Cecília Naclério Homem, com quem não teve filhos. Faleceu em 23 de novembro de 1990, aos 83 anos, na cidade de São Paulo.

Veja também: Positivismo – corrente sociológica que influenciou o Brasil no início do século XX

Principais ideias de Caio Prado Júnior

Caio Prado Júnior incorporou o marxismo à sua análise historiográfica e à sua postura política. Na qualidade de um “historiador materialista”, sua análise da realidade brasileira tem uma perspectiva crítica e comprometida com a sua transformação. Sua investigação histórica e diagnóstica da sociedade brasileira tem como ponto central a colonização. Esse autor via a colonização portuguesa e espanhola das Américas como um processo de profunda exploração. Apontava o contraste entre a colonização inglesa nos EUA, denominada “de povoamento”, e a colonização dos países latino-americanos, denominada “de exploração”.

Na colônia de povoamento na zona temperada da América do Norte, os colonos ingleses pretendiam construir um mundo novo e gozar de garantias que já não dispunham em seu país de origem, de onde foram afugentados, fosse pela expulsão de camponeses dos campos privatizados (lei dos cercamentos), fosse pela industrialização e urbanização realizadas sem planejamento ou proteção legal, fosse pela perseguição política a religiosos puritanos.

Na colônia de exploração das áreas tropical e subtropical, o próprio clima era inóspito aos colonos inicialmente. Era uma colonização mercantil, destinada a extrair os bens e comercializá-los no mercado europeu. Não havia um planejamento de médio e longo prazo, uma organização que visasse o progresso do lugar, toda e qualquer racionalidade seria imediatista e atrelada a ganhos econômicos às custas do extrativismo, da pirataria, e todos os custos sociais desse processo eram administrados por quem ali permanecesse.

Uma figura emblemática desse modo colonial exploratório de operar é o bandeirante, que percorria o sertão saqueando as riquezas minerais, principalmente ouro, e escravizando indígenas e quilombolas, deixando para trás uma devastação e voltando com as riquezas para aplicar em seu local de origem, concentrado especialmente na capitania de São Paulo. Posteriormente, desenvolveu-se a agricultura tropical, que se tornou a base econômica da colônia, ancorada na produção em larga escala de itens que faltavam ao mercado europeu, como açúcar, algodão, tabaco.

A diferença crucial nas duas formas de colonização residia nas relações de produção. Na colônia de povoamento, era predominante que o trabalho fosse assalariado ou que o colono fosse um pequeno produtor, pequeno comerciante, tanto que um dos marcos da formação dos EUA como nação independente foi a realização da reforma agrária.

Na colônia de exploração, a terra foi dividida em grandes pedaços, que se tornariam sesmarias e, posteriormente, latifúndios, utilizados para a monocultura de itens como cana-de-açúcar na colônia e café no império. O colono como gestor da produção de bens primários — que hoje chamamos commodities — para o mercado internacional coordenava o trabalho, mas não necessariamente ficava na terra, outros trabalhavam para ele, principalmente na condição de escravizados. Esse modelo vigorou até o século XVIII, e sua deterioração começou, para o autor, por meio do processo de modernização do Brasil que se sucederia do século XIX em diante.

Qual contradição garantiu que a estrutura colonial não fosse totalmente desestruturada após a independência e outras medidas tomadas pelo Brasil? A manutenção do escravismo. O Brasil foi o último país independente da América a abolir a escravidão, e o historiador Luiz Felipe de Alencastro afirma que a maneira como a abolição foi conduzida teve como um dos seus principais motivos o interesse da elite brasileira em não realizar a reforma agrária.

Caio Prado Júnior via uma linha mestra, um caminho ininterrupto na evolução histórica dos povos. No caso brasileiro, a colonização e suas expressões estavam presentes no conjunto da formação social, ou seja, nas relações produtivas, nas relações sociais, nos processos econômicos como a industrialização tardia, na posição geopolítica, na relação de dependência frente ao mercado internacional.

Para o autor, a colonização europeia permaneceu no desenvolvimento do capitalismo mundial, e países colonizados, como o Brasil, foram inseridos em condição de sujeição a contingências estabelecidas pelos países colonizadores, denominados desenvolvidos. A dinâmica política e econômica continuava a ser ditada pelo velho continente.

O processo de colonização do Brasil, para Caio Prado, seria feito mais de continuísmos que de rupturas, sendo assim, aqui seria formado um capitalismo tardio, com fraca industrialização e sem o desenvolvimento de uma burguesia robusta e de um operariado organizado. A herança colonial somada a deficiências na infraestrutura, na capacitação técnica (além de uma acumulação capitalista altamente concentradora de renda e produtora de empobrecimento e uma industrialização dependente do comércio externo) produziram as condições para esse capitalismo incompleto.

Baseado em seu diagnóstico da colônia de exploração que culminou no capitalismo tardio, Caio Prado apresentou o segundo ponto central de sua obra: a revolução. Para o autor, a mudança da sociedade brasileira e a superação da herança colonial, escravista e patrimonial só viriam quando o Brasil vivesse plenamente o desenvolvimento do capitalismo — para ele traduzido em uma industrialização forte que permitisse a formação de classes sociais fortes, a fim de que fosse possível a constituição de uma luta de classes que pavimentaria o caminho para uma revolução brasileira.

Contribuições de Caio Prado Júnior para a sociologia

A obra de Caio Prado Júnior representou uma grande renovação na historiografia das ciências sociais em meados do século XX. Ele é um dos pilares da sociologia brasileira, com Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre, autores que se dedicaram a estudar a história do Brasil em perspectivas abrangentes, abordando aspectos culturais, econômicos e políticos e investigando que relações, processos e estruturas formaram e conformaram a constituição social do Brasil. No caso da produção intelectual de Caio Prado, a questão preponderante sobre as demais é a economia, trata-se de uma análise economicista marxista do processo colonial brasileiro.

Caio Prado Júnior foi um dos principais responsáveis pela popularização das ideias marxistas no Brasil. Por meio do materialismo histórico e dialético, analisou a formação da nação e da sociedade brasileira e propalou a aplicação desse viés analítico ao Brasil, portanto, é o precursor de uma sociologia marxista brasileira. Como aponta o sociólogo Octavio Ianni, Caio Prado deteve-se em:

  • interpretar a Colônia, o Império e a República;
  • apontar a influência da escravidão secular e da economia primária exportadora;
  • analisar os movimentos de industrialização;
  • como se desenvolveram as classes sociais após a experiência escravista;
  • pressões políticas e econômicas externas e internas;
  • tendências mais fortes na sociedade civil e quais se hegemonizaram no Estado.

Trata-se de uma pesquisa ampla, elaborada, totalizante, mas que não se furta às situações episódicas relevantes, que aponta uma continuidade histórica na experiência brasileira e as consequências desse passado no Brasil moderno. Sua análise econômica da história do Brasil, abordando questões como colonização, dependência e capitalismo tardio, abriu caminho para outras análises econômicas marxistas da realidade brasileira, como a teoria da dependência, que tem como principal expoente Ruy Mauro Marini.

Leia mais: Estratificação urbana – quando uma parcela da sociedade tem acesso precário ao conjunto urbano

Caio Prado Júnior foi um dos fundadores da Editora Brasiliense, com os escritores Monteiro Lobato e Maria José Dupré.

Obras de Caio Prado Júnior

Caio Prado Júnior teve uma intensa produção intelectual. Suas principais obras são:

  • Evolução política do Brasil (1933)
  • URSS: um novo mundo (1934)
  • Formação do Brasil contemporâneo (1942)
  • História econômica do Brasil (1945)
  • Dialética do conhecimento (1952)
  • Evolução política do Brasil e outros estudos (1953)
  • Diretrizes para uma política econômica brasileira (1954)
  • Esboço de fundamentos da teoria econômica (1957)
  • Introdução à lógica dialética (1959)
  • O mundo do socialismo (1962)
  • A revolução brasileira (1966)
  • Estruturalismo de Lévi-Strauss: o marxismo de Louis Althusser (1971)
  • História e desenvolvimento (1972)
  • A questão agrária no Brasil (1979)
  • O que é liberdade (1980)
  • O que é filosofia (1981)
  • A cidade de São Paulo (1983)

Crédito da imagem

[1] Boitempo Editorial (reprodução)

Por: Milka de Oliveira Rezende

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