Ao nos depararmos com essa tríade: poesia, poema e prosa, uma noção parece emergir dos conhecimentos de que dispomos acerca da linguagem. Sabemos, portanto, que toda situação de comunicação se reveste de um intento, de uma finalidade em si mesma. Partindo desse princípio, não há como negarmos que sempre estamos compartilhando de situações comunicativas voltadas para a informação, para a instrução, para o entretenimento, como é o caso da anedota, das tiras humorísticas, enfim, distintas são elas. Partindo dessa prerrogativa, há também aqueles textos em que parece fugirmos de um discurso norteado por uma linguagem mais objetiva, de uma estrutura previamente definida e passamos a imergir em um universo no qual o manejo com as palavras se efetiva de modo mais contundente, levando-nos quase sempre à reflexão, à fruição, enfim, ao deleite, digamos assim. Por meio desses tipos de textos, constatamos que o emissor se deixa levar pelos próprios sentimentos, cujo sentido se determina tão somente para o despertar das nossas emoções.
Afirmamos, portanto, que se trata da função poética da linguagem, haja vista que estamos nos referindo à poesia, concebida como um estado de alma, advindo por parte de quem a cria. Ela dá espaço para que os distintos recursos da linguagem sejam realmente materializados, tais como o explorar da sonoridade, a combinação das rimas, o jogo de palavras, enfim, o uso de figuras de linguagem propriamente dito. Dessa forma, resta-nos crer que desse estado anímico parte o que denominamos de poema, considerado uma unidade dessa poesia. Nesse sentido, ao estabelecermos familiaridade com esse tipo de texto, constatamos que ele foge, digamos assim, daquela estrutura convencional, demarcada por parágrafos, com início, meio e fim, tal como ocorre em um artigo de opinião.
Assim, em vez de se apresentar sob a estrutura prosaica, o poema nos abrilhanta com aquela construção que lhe é própria, caracterizada por linhas, especificamente concebidas como versos, e que esses versos, uma vez reunidos, formam o que chamamos de estrofe . Com base nisso, constatemos um exemplo:
Via Láctea
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".
Olavo Bilac
Constatamos se tratar de um soneto, concebido como uma forma clássica bastante cultuada no Parnasianismo, período do qual Olavo Bilac fez parte. Em se tratando da estrutura, constitui-se de dois quartetos (estrofes com quatro versos) e dois tercetos (estrofes com três versos), explorando de modo singular a sonoridade, o ritmo, entre outros recursos poéticos.
Já a prosa, voltando à estrutrura já mencionada (organização em parágrafos com início, meio e fim), encontra-se demarcada em textos de opinião, em textos de cunho científico, justamente porque a intenção se difere daquela demarcada na poesia. Por isso, vejamos:
DEGRAUS DA ILUSÃO
Fala-se muito na ascensão das classes menos favorecidas, formando uma “nova classe média”, realizada por degraus que levam a outro patamar social e econômico (cultural, não ouço falar). Em teoria, seria um grande passo para reduzir a catastrófica desigualdade que aqui reina.
Porém receio que, do modo como está se realizando, seja uma ilusão que pode acabar em sérios problemas para quem mereceria coisa melhor. Todos desejam uma vida digna para os despossuídos, boa escolaridade para os iletrados, serviços públicos ótimos para a população inteira, isto é, educação, saúde, transporte, energia elétrica, segurança, água, e tudo de que precisam cidadãos decentes.
Porém, o que vejo são multidões consumindo, estimuladas a consumir como se isso constituísse um bem em si e promovesse real crescimento do país. Compramos com os juros mais altos do mundo, pagamos os impostos mais altos do mundo e temos os serviços (saúde, comunicação, energia, transportes e outros) entre os piores do mundo. Mas palavras de ordem nos impelem a comprar, autoridades nos pedem para consumir, somos convocados a adquirir o supérfluo, até o danoso, como botar mais carros em nossas ruas atravancadas ou em nossas péssimas estradas.
Além disso, a inadimplência cresce de maneira preocupante, levando famílias que compraram seu carrinho a não ter como pagar a gasolina para tirar seu novo tesouro do pátio no fim de semana. Tesouro esse que logo vão perder, pois há meses não conseguem pagar as prestações, que ainda se estendem por anos.
[...]*
Lia Luft
Por meio de tal exemplo, constatamos os elementos acima mencionados, visto se tratar de um artigo de opinião.
* Texto extraído da revista Veja