O eu lírico, entidade criada pelo autor/escritor como voz do discurso literário, pode receber outras denominações: eu poético e sujeito lírico.
Quando entramos em contato com a Literatura, um universo de possibilidades surge diante de nossos olhos. A arte literária ressignifica as palavras, dando a elas sentidos incomuns ao subverter a semântica em verso e prosa. Essa linguagem tão peculiar, conhecida como linguagem literária, traz à tona uma voz diferente para o discurso, mas muito comum em poemas, o eu lírico.
O eu lírico recebe outras denominações: pode ser chamado de eu poético e também de sujeito lírico. Mas qual seria sua função no poema? Para quem não está tão habituado à linguagem literária, pode ser realmente difícil entender que a voz de um poema não precisa ser, necessariamente, a de seu autor. Observe um exemplo de eu lírico na canção de Caetano Veloso:
Esse cara
Ah, que esse cara tem me consumido
A mim e a tudo que eu quis
Com seus olhinhos infantis
Como os olhos de um bandido
Ele está na minha vida porque quer
Eu estou pra o que der e vier
Ele chega ao anoitecer
Quando vem a madrugada, ele some
Ele é quem quer
Ele é o homem
Eu sou apenas uma mulher .
(Caetano Veloso)
Na canção que você leu agora, temos um claro exemplo da manifestação do eu lírico, sobretudo porque ele é feminino. Os versos de Caetano retratam o ponto de vista de uma mulher, deixando ainda mais evidente a diferença entre o autor e o eu lírico. Quando lemos um poema, ou qualquer texto literário, percebemos a criação do artista, que pode desvincular-se de sua identidade e criar uma nova, que se apropria do texto. Há casos, contudo, em que o eu lírico cede lugar para o eu biográfico, ou seja, nesses textos, a voz real do autor pode ser “ouvida”. Observe o exemplo da manifestação do eu biográfico nos versos de Carlos Drummond de Andrade:
Confidência do itabirano
Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa…
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
É muito importante, para a melhor compreensão dos textos literários, que saibamos a diferença entre a pessoa real (o autor) e a entidade fictícia (eu lírico). O eu lírico nasce no momento da escrita, e essa entidade criada pelo autor é desprendida da lógica e da compreensão de si mesmo, elementos que não faltam quando a voz do poema é a voz do eu biográfico. Graças ao eu lírico, somos agraciados com a criatividade dos sentimentos poéticos, que tornam os textos literários ainda mais belos.