Estrela da vida inteira: cinco poemas de Manuel Bandeira

Manuel Bandeira é um dos principais nomes do modernismo brasileiro. Embora modernista, o poeta jamais abandonou o lirismo poético em sua obra.

Manuel Bandeira nasceu em Recife, no dia 19 de abril de 1886. Faleceu no Rio de Janeiro, no dia 13 de outubro de 1968 *

“(...) Sou poeta menor, perdoai!
Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!”
        

(Excerto do poema “Testamento”, de Manuel Bandeira)

Sou poeta menor, perdoai! Nesse verso, Manuel Bandeira comete uma injustiça contra si próprio. Não foi poeta menor, foi poeta que fez das coisas menores e singelas muito maiores. Não tinha, em seu fazer literário, nenhuma pretensão ideológica, seu compromisso era, sobretudo, com a arte, com a literatura. Manuel fez da confidência, da ironia e dos versos livres as matérias-primas de seus versos.

Manuel Bandeira foi precursor do modernismo. Ao lado dos amigos Oswald e Mário de Andrade foi responsável por divulgar e por solidificar as ideias modernistas em todo o país. Embora atento às inovações artísticas que ocorriam àquela época na Europa, das quais tomou de empréstimo o verso livre, uma das principais características de seus poemas, Bandeira era, da tríade modernista, o menos radical. Aderiu gradativamente às técnicas modernistas, enquanto nutria grande admiração por certos escritores do passado, como Luís Vaz de Camões e Gonçalves Dias.

O poeta que fez dos temas prosaicos os grandes motivos de sua poesia sempre manteve pontos de contato com o Romantismo e com o Modernismo, equilibrando elementos tradicionais com elementos inovadores. Seu talento presenteou-nos com poemas que conciliam a crítica social com a reflexão filosófica da condição humana, e foi dessa maneira que Manuel Bandeira deixou sua indelével contribuição para a literatura brasileira.

Para que você conheça um pouco mais de toda a beleza dos versos desse grande poeta, o Alunos Online selecionou cinco poemas de Manuel Bandeira, poemas que certamente serão um convite para você conhecer a obra de um de nossos mais importantes escritores. Boa leitura!

Testamento

O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros — perdi-os...
Tive amores — esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.
Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.

Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.

Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!

Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!

Manuel Bandeira?

Arte de amar

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Manuel Bandeira

O anel de vidro

Aquele pequenino anel que tu me deste,
– Ai de mim – era vidro e logo se quebrou…
Assim também o eterno amor que prometeste,
- Eterno! era bem pouco e cedo se acabou.

Frágil penhor que foi do amor que me tiveste,
Símbolo da afeição que o tempo aniquilou, –
Aquele pequenino anel que tu me deste,
– Ai de mim – era vidro e logo se quebrou…

Não me turbou, porém, o despeito que investe
Gritando maldições contra aquilo que amou.
De ti conservo no peito a saudade celeste…
Como também guardei o pó que me ficou
Daquele pequenino anel que tu me deste…
 

Manuel Bandeira

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro 
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcaloide à vontade
Tem prostitutas bonitas 
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der 
Vontade de me matar
Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Manuel Bandeira

Porquinho-da-Índia

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas . . .

O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.

Manuel Bandeira

* A imagem que ilustra o artigo foi feita a partir de capas de livros de Manuel Bandeira publicados pelas editoras Global e Nova Fronteira. 

Por: Luana Castro Alves Perez

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