Efeito sinestésico das palavras

O efeito sinestésico se concretiza através da mistura de sensações materializada pelo trabalho com as palavras

Falar sobre o efeito sinestésico das palavras significa fazer menção ao laborioso arranjo que um emissor (diante das intencionalidades a que se propõe) realiza com as palavras, o que significa, sobretudo, referir-se às figuras de linguagem propriamente ditas.

Assim, daremos vazão à proposta que se evidencia, mas não sem antes nos preocuparmos, em primeira instância, com os traços denotativos de que se ocupa a palavra “sinestesia”, caracterizada como um recurso estilístico que consiste em reunir e agrupar sensações oriundas de diversos órgãos do sentido, tais como: paladar, olfato, tato, visão e audição.

Partindo desse pressuposto, um questionamento tende a se perpetuar como relevante: possibilidades há de reunir toda essa gama de sensações num discurso a fim de se obter o efeito desejado? Evidentemente que sim, haja vista que se estamos nos referindo aos recursos estilísticos, estamos, de certa maneira, enfatizando acerca da linguagem literária, acima de tudo. Nesse sentido, o caráter subjetivo e o fato de o espaço se encontrar aberto a interpretações múltiplas representam fatores que acabam ganhando cunho de significativa relevância, em se tratando de tais pressupostos.

Dessa forma, consultando o legado cultural que nos deixou boa parte dos representantes da literatura brasileira (apesar de não serem os únicos), sobretudo os que pertenceram ao período simbolista, constatamos ampla exemplificação em Antífona, de Cruz e Souza:

Antífona

Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras

Formas do Amor, constelarmante puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas ...

Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...

Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...

[...]

Pôde-se constatar, sobretudo em se tratando da terceira estrofe, uma verdadeira mistura de sensações, assim demarcadas:

Indefiníveis músicas supremas, (audição)

Harmonias da Cor e do Perfume... (visão/olfato)

Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,

Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume... (visão, novamente)

Há de se ressaltar que não somente o autor em questão, mas distintos outros exploraram de forma singular esse efeito de sentido, cujo sentido pode até não parecer lógico (como, muitas vezes, na realidade não parece), mas tudo se materializa em nome dos posicionamentos ideológicos assumidos pelo autor que, mediante uma carga intensa de subjetividade, assim se expressa, exatamente para demonstrar a visão acerca da realidade que o cerca, concebida, pois, numa visão contextual.

Pois bem, até então falamos sobre a presença de tal figura na linguagem literária, contudo, equivale dizer que ela também se manifesta por meio de outras circunstâncias comunicativas, como podemos checar em:

* Circunstâncias relacionadas à linguagem cotidiana, por que não? Assim, não raro pronunciamos e até ouvimos determinadas expressões, tais como: “ele falava com uma voz bastante áspera” / “ao encontrá-la, pude sentir o seu doce perfume adocicado”, entre outros casos ilustrativos.

* Circunstâncias relacionadas à linguagem publicitária também se expressam de forma recorrente, como é o caso do uso de cores quentes (vermelho e amarelo), em se tratando da propaganda de alimentos, cujo atributo se deve ao instinto persuasivo de atrair o cliente para saboreá-los, como bem nos aponta o fato representado por um sanduíche recheado de mostarda e catchup, a fim de induzir o leitor a aguçar o paladar por meio do jogo trabalhado com as cores.  

* Efeito sinestésico expresso por meio de recursos visuais, também materializado de forma recorrente, como podemos constatar em:


Ao visualizarmos a figura de tal alimento, logo temos a sensação do “frio”(tato) e do doce (paladar)


A sensação olfativa transmitida pelo perfume das flores misturada à maciez da vestimenta (casaco) = olfato/tato

Por: Vânia Maria do Nascimento Duarte

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