Os poemas de amor de Vinícius de Moraes estão entre os mais lembrados do público brasileiro. Como poucos, o poeta soube traduzir em versos todo o lirismo desse sentimento.
Vinícius de Moraes certamente é o poeta mais popular da literatura brasileira: passados mais de trinta anos de seu falecimento, seus poemas continuam perpetuados no imaginário coletivo e impressos na história de nossas letras. Embora não seja uma unanimidade para a crítica literária, Vinícius é querido entre leitores de diversas faixas etárias e de diferentes contextos socioculturais. Essa popularidade deve-se também à inigualável contribuição para a Música Popular Brasileira, pois, além de escritor, Vinícius foi exímio compositor e um dos precursores da Bossa Nova.
Os primeiros livros de Vinícius de Moraes são marcados pela religiosidade neossimbolista, característica que o aproximou do chamado “grupo de poetas religiosos” formado no Rio de Janeiro entre as décadas de 1930 e 1940. A segunda fase de sua obra, na qual escreveu poemas que se aproximam do mundo material e da estética modernista, é marcada pela poesia sensual: daí seus versos mais famosos e que o tornaram, depois de Manuel Bandeira, o mais intenso poeta erótico da poesia brasileira moderna. Embora tenha apropriado-se do soneto, forma poética fixa, abusou de uma linguagem crua e direta, construindo assim um interessante contraponto entre o clássico e o moderno, fórmula que arrebatou milhões de leitores que seguem interessados em sua obra.
Vinícius tem seu público renovado a cada dia, visto a atemporalidade de seus poemas e canções. Para você conhecer um pouco mais do lirismo que traduziu em versos a intimidade dos afetos, o Alunos Online selecionou cinco poemas de amor de Vinícius de Moraes que farão você ter vontade de conhecer um pouco mais da obra desse inesquecível poeta. Boa leitura!
A AUSENTE
Rio de Janeiro, 1954
Amiga, infinitamente amiga
Em algum lugar teu coração bate por mim
Em algum lugar teus olhos se fecham à ideia dos meus.
Em algum lugar tuas mãos se crispam, teus seios
Se enchem de leite, tu desfaleces e caminhas
Como que cega ao meu encontro...
Amiga, última doçura
A tranquilidade suavizou a minha pele
E os meus cabelos. Só meu ventre
Te espera, cheio de raízes e de sombras.
Vem, amiga
Minha nudez é absoluta
Meus olhos são espelhos para o teu desejo
E meu peito é tábua de suplícios
Vem. Meus músculos estão doces para os teus dentes
E áspera é minha barba. Vem mergulhar em mim
Como no mar, vem nadar em mim como no mar
Vem te afogar em mim, amiga minha
Em mim como no mar...
Vinícius de Moraes
Ao lado de Toquinho, Vinícius de Moraes formou uma das duplas de compositores mais produtivas da Música Popular Brasileira **
SONETO DE SEPARAÇÃO
Inglaterra, 1938
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Vinícius de Moraes
A UMA MULHER
Rio de Janeiro, 1933
Quando a madrugada entrou eu estendi o meu peito nu sobre o teu peito
Estavas trêmula e teu rosto pálido e tuas mãos frias
E a angústia do regresso morava já nos teus olhos.
Tive piedade do teu destino que era morrer no meu destino
Quis afastar por um segundo de ti o fardo da carne
Quis beijar-te num vago carinho agradecido.
Mas quando meus lábios tocaram teus lábios
Eu compreendi que a morte já estava no teu corpo
E que era preciso fugir para não perder o único instante
Em que foste realmente a ausência de sofrimento
Em que realmente foste a serenidade.
Vinícius de Moraes
Composição de Vinícius de Moraes e Tom Jobim, Eu sei que vou te amar é uma das grandes pérolas da Música Popular Brasileira ***
SONETO DO AMOR TOTAL
Rio de Janeiro, 1951
Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade
Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
Vinícius de Moraes
AGONIA
Rio de Janeiro, 1935
No teu grande corpo branco depois eu fiquei.
Tinha os olhos lívidos e tive medo.
Já não havia sombra em ti — eras como um grande deserto de areia
Onde eu houvesse tombado após uma longa caminhada sem noites.
Na minha angústia eu buscava a paisagem calma
Que me havias dado há tanto tempo
Mas tudo era estéril e mostruoso e sem vida
E teus seios eram dunas desfeitas pelo vendaval que passara.
Eu estremecia agonizando e procurava me erguer
Procurei ficar imóvel e orar, mas fui me afogando em ti mesma
Desaparecendo no teu ser disperso que se contraía como a voragem.
Depois foi o sono, o escuro, a morte.
Quando despertei era claro e eu tinha brotado novamente
Vinha cheio do pavor das tuas entranhas.
Vinícius de Moraes
*A imagem que ilustra o artigo é capa do livro POIS SOU UM BOM COZINHEIRO - Receitas, histórias e sabores da vida de Vinicius de Moraes, organização de Daniela Narciso e Edith Gonçalves, Editora Companhia das Letras.
** A imagem que ilustra o miolo do artigo é capa do disco Toquinho e Vinícius, da Gravadora RGE Discos.
*** A imagem que ilustra o miolo do artigo é capa do disco Vinícius de Moraes.