Cecília Meireles

Cecília Meireles é considerada uma das primeiras expressões femininas na poesia brasileira. Sua vasta obra expressa tendências que tornam difícil classificá-la dentro de um único movimento literário, já que seus versos retomam temáticas simbolistas. Esse teor neosimbolista, no século XX, é poetizado com base em temáticas ligadas à transitoriedade da vida, à espiritualidade e à universalidade. A autora carioca, além de poemas extremamente intimistas, é autora de Romanceiro da inconfidência, obra em verso que recupera uma importante passagem da história brasileira: a inconfidência mineira.

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Biografia Cecília Meireles

Cecília Benevides de Carvalho Meireles, conhecida como Cecília Meireles, foi poeta, ensaísta, cronista, tradutora, educadora e folclorista. Nasceu em 7 de novembro de 1901, no Rio de Janeiro. Não chegou a conhecer o pai, falecido três meses antes de seu nascimento, e quando tinha apenas três anos de idade, perdeu a mãe. Foi criada pela avó materna, Jacinta Garcia Benevides.

Seus primeiros estudos foram realizados na Escola Estácio de Sá, em 1910. Sua dedicação aos estudos era tão grande que foi condecorada pelo poeta parnasiano Olavo Bilac, então Inspetor Escolar do Rio de Janeiro, com medalha de ouro por ter feito todo o curso primário de forma exemplar. Formou-se, em 1917, no Curso Normal do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, e passou a desempenhar o magistério primário em escolas oficiais da cidade carioca.

Cecília Meireles é uma das primeiras vozes femininas na literatura brasileira.

Em 1919, publicou o seu primeiro livro de poemas, intitulado Espectros. Em 1922, casou-se com um artista plástico, Fernando Correia Dias, com quem teve três filhas. Em 1934, organizou a primeira biblioteca infantil do Rio de Janeiro. Em 1935, por sofrer de forte depressão, seu esposo cometeu suicídio. Em 1939, foi agraciada com o Prêmio de Poesia Olavo Bilac, concedido pela Academia Brasileira de Letras (ABL), pelo livro Viagem. Cecília Meireles, em 1940, casou-se com o professor e engenheiro agrônomo Heitor Vinícius da Silveira Grilo.

Sua poesia foi traduzida para diversos idiomas, tendo também alguns poemas musicados por importantes cantores brasileiros. Faleceu em sua cidade natal, Rio de Janeiro, em 9 de novembro de 1964.

Estilo literário de Cecília Meireles

Cecília Meireles não foi filiada a nem movimento literário brasileiro, mas sua poesia tem um estilo marcante que a torna uma das mais importantes poetas do Brasil. Sua poesia apresenta as seguintes características:

  • Traços simbolistas;
  • Temáticas universalistas;
  • Presença de elementos de caráter fluido, como o vento, a água, o mar, o tempo, a solidão, a música, o espaço;
  • Espiritualismo;
  • Temáticas orientais;
  • Valorização da musicalidade;
  • Predileção pelo verso curto;
  • Uso frequente de paralelismos;
  • Reflexão sobre a passagem do tempo.

Veja também: Rachel de Queiroz – autora do celebrado romance O Quinze

Principais obras de Cecília Meireles

  • Espectros (1919)
  • Baladas para El-Rei (1925)
  • Viagem (1938)
  • Ou isto ou aquilo (1964)
  • Romanceiro da inconfidência (1953)

Romanceiro da inconfidência

Romanceiro da inconfidência, livro de poemas publicado em 1953, é uma viagem poética no contexto da conjuração mineira (1789), importante página da história brasileira. Essa obra é resultado de 10 anos de pesquisa de Cecília Meireles sobre o século XVIII no Brasil. A ideia da construção do livro surgiu quando Meireles foi enviada, como jornalista, à cidade mineira de Ouro Preto para acompanhar as festividades religiosas da Semana Santa.

Inspirada pela arquitetura e pela aura histórica da cidade, Cecília Meireles decidiu compor uma obra em forma de romanceiro, conjunto de poemas curtos de origem popular. Utilizando principalmente a redondilha maior (verso de sete sílabas) e um esquema livre de rimas, as composições combinam os registros:

  • épico (narração dos fatos)
  • dramático (presença de vozes de personagens)
  • lírico (reflexões da primeira pessoa)

Cecília Meireles conseguiu, ao término dessa obra, reconstituir cenas com liberdade poética, mas preservando informações históricas advindas de sua pesquisa, e compor estilos literários produzidos na época da inconfidência, como a composição de versos que lembram as liras de Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), poeta que é um de seus personagens.

O Romanceiro da inconfidência, estruturado em 85 romances, além de outros poemas, é composto por 95 textos. A obra divide-se em três partes:

  • a formação de Ouro Preto e os antecedentes da inconfidência;
  • os eventos diretamente relacionados ao movimento, incluindo retratos dos envolvidos e de suas possíveis motivações;
  • as consequências da conjuração, com o enforcamento de Tiradentes, o degredo para os demais acusados e a solidão das mulheres dos exilados.

No trecho a seguir, observa-se a apresentação do cenário em que começa a ser gestada a inconfidência mineira:

Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
entre sigilo e espionagem,
acontece a Inconfidência.
E diz o Vigário ao Poeta:
“Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergílio...”
E dá-lhe o papel e a pena.
E diz o Poeta ao Vigário,
com dramática prudência:
“Tenha meus dedos cortados,
antes que tal verso escrevam...”
LIBERDADE, AINDA QUE TARDE,
ouve-se em redor da mesa.
E a bandeira já está viva,
e sobe, na noite imensa.
E os seus tristes inventores
já são réus — pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ninguém sabe o que seja).

Tiradentes, mártir da inconfidência mineira, foi poetizado na obra de Cecília Meireles. [1]

Poemas de Cecília Meireles

Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
(Viagem, 1938)

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
(Viagem, 1938)

Nesses dois famosos poemas de Cecília Meireles, há a expressão de fortes características da lírica dessa importante escritora brasileira. No primeiro poema, “Motivo”, a voz lírica, de modo metalinguístico, reflete sobre sua condição efêmera de poeta no mundo. Essa efemeridade é uma característica recorrente na sua poesia, marca neosimbolista cultivada pela autora. Essa característica mostra-se evidente no uso de vocabulários que se situam dentro de um campo semântico ligado à transitoriedade, como os vocábulos “asa”, “ritmada” “instante”, “noites”, “dias”, “vento”, “fugidias”.

No segundo poema, “Retrato”, também com a enunciação em primeira pessoa do discurso, a voz lírica reflete sobre a passagem do tempo, o qual vai imprimindo-lhe marcas físicas e psicológicas à medida que os anos transcorrem. Essa reflexão sobre a passagem temporal também é uma marca neosimbolista, típica da produção poética de Cecília Meireles.

Em ambos os poemas, observa-se que as reflexões suscitadas também expressam temáticas universalistas e espiritualistas, características recorrentes da sua obra.

Acesse também: Os melhores poemas de Cecília Meireles

Homenagens a Cecília Meireles

Selo dos Correios em comemoração ao centenário de nascimento de Cecília Meireles.[2]
  • Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras, pelo livro Viagem (1938)
  • Sócia honorária do Real Gabinete Português de Leitura (1942)
  • Prêmio de Tradução de Obras Teatrais (1962)
  • Prêmio Jabuti de Tradução de Obra Literária, pelo livro Poesia de Israel (1963)
  • Prêmio Jabuti de Poesia, pelo livro Solombra (1964)
  • Prêmio Machado de Assis (1965)
  • Sócia honorária do Instituto Vasco da Gama, Goa (1953)
  • Oficial da Ordem do Mérito do Chile (1952)
  • Doutora honoris causa pela Universidade de Delhi, na Índia (1953)

Frases

“Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.”

“Dai-me Senhor, a perseverança das ondas do mar, que fazem de cada recuo, um ponto de partida para um novo avançar.”

“Em que espelho ficou perdida a minha face?”

“Liberdade de voar num horizonte qualquer, liberdade de pousar onde o coração quiser.”

“Não queiras ter pátria, não dividas a terra, não arranques pedaços ao mar. Nasce bem alto, que todas as coisas serão tuas...”

“Quando penso em você, fecho os olhos de saudade.”

“Aprendi com as primaveras a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira.”

“Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão.”

“Minha virtude era esta errância por mares contraditórios, e este abandono para além da felicidade e da beleza.”

“É preciso amar as pessoas e usar as coisas e não amar as coisas e usar as pessoas.”

Créditos das imagens

[1] Cacio Murilo / Shutterstock

[2] Solodov Aleksei / Shutterstock 

Por: Leandro Guimarães

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