Marco temporal é uma tese jurídica que defende que os povos indígenas só têm direito a uma terra caso ela já estivesse ocupada por eles quando a Constituição foi promulgada.
O marco temporal é uma tese jurídica que defende que os povos indígenas só têm direito a reivindicar as terras que eles ocupavam quando a Constituição Federal foi promulgada, em 5 de outubro de 1988. Esse debate está relacionado com uma ação judicial que envolve o governo de Santa Catarina e o povo xokleng.
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Resumo sobre marco temporal
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É uma tese jurídica que defende uma mudança na demarcação de terras indígenas no Brasil.
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Defende que os povos indígenas só podem reivindicar a terra que eles ocupavam quando a Constituição Federal foi promulgada, em 1988.
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Passou a ser aplicado oficialmente desde o governo de Michel Temer.
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Teme-se que ele dificulte a demarcação de novas terras indígenas no Brasil.
O que significa o marco temporal?
O marco temporal é um assunto que ganhou espaço no debate público e político do Brasil e diz respeito à política de nosso país na demarcação de terras indígenas — onde os povos indígenas podem viver, tirar seu sustento e preservar a sua cultura. Atualmente existem mais de 400 terras indígenas no Brasil.
O marco temporal é uma tese jurídica que propõe um novo critério para a demarcação de novas terras indígenas no Brasil. A proposta é descrita na forma como é conhecida: estabelecer um marco temporal para definir se os povos indígenas têm direito ou não de reivindicar determinada terra.
Esse marco seria o dia 5 de outubro de 1988, isto é, o dia de promulgação da Constituição Federal. Foi essa Constituição que estabeleceu o direito dos povos indígenas de reivindicarem sua terra para viverem e preservarem sua cultura. Assim, dentro desse critério, um povo indígena só pode exigir direito sobre uma terra se ele já estivesse a ocupando no dia de promulgação da Constituição.
Com base nisso, se um povo indígena já não estivesse ocupando a terra que reivindica e não tiver como provar que ela era disputada judicialmente à época, ele não terá direito nenhum sobre ela e poderá ser expulso dela ou ter o seu pedido de demarcação negado, caso exista uma disputa judicial.
O debate sobre o marco temporal ganhou bastante evidência em 2021, quando a tese começou a ser julgada no Supremo Tribunal Federal, o STF. O julgamento foi exatamente para decidir se ela tem validade ou não, mas acabou sendo adiado no mês de setembro desse ano, sem retorno previsto.
A importância da causa colocou ruralistas e indígenas em lados opostos, com aqueles defendendo a aprovação da tese e estes sendo contra ela. Inclusive, milhares de indígenas acamparam em Brasília para acompanhar o julgamento e pressionar os ministros do STF a rejeitarem a tese.
A tese do marco temporal está sendo julgada para determinar se ela continuará sendo aplicada, porque, desde o governo de Michel Temer, ela já vem sendo usada nos processos de demarcações de novas terras indígenas. Pela aplicabilidade dessa tese é que as demarcações têm sido travadas desde então, e estima-se que mais de 200 pedidos de demarcação estejam parados.
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Quando começou a ser debatido o marco temporal?
A questão do marco temporal passou a ser fortemente debatida a partir de 2017, durante o governo de Michel Temer. Na ocasião, a Advocacia-Geral da União emitiu um parecer que estabeleceu critérios para a demarcação de terras indígenas, e entre esses critérios estava a adoção do marco temporal.
Vem daí o entrave para que novas demarcações aconteçam em nosso país. A tese vem sendo explorada por ruralistas e agricultores com o intuito de impedir que novas terras indígenas sejam criadas aqui.
A tese foi usada, a princípio, pelo próprio STF em um julgamento específico. Esse foi o julgamento que determinou a criação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada em Roraima. A decisão do STF foi emitida em 2009, e, na ocasião, o tribunal usou a tese do marco temporal para consolidar a criação desse território.
A decisão do STF permitiu que uma série de povos pudessem ter tranquilidade, pois suas terras estavam asseguradas. Os povos em questão são os wapichana, patamona, makuxi, taurepang e ingarikó. Essa decisão também pôs fim nos conflitos de terra que aconteciam na região e permitiu esses povos tirem seu sustento pacificamente e preservem sua cultura.
Além disso, a decisão do STF em usar o marco temporal era relativa apenas ao julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. No entanto, de lá pra cá, a tese vem sendo explorada por grupos interessados em impedir o avanço das demarcações.
A estratégia de usar o marco temporal foi utilizada pelo governo de Santa Catarina para questionar um espaço de 80 mil metros quadrados que faz parte da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ. Essa terra foi demarcada em 2003, mas, desde 2009, uma disputa judicial vem sendo travada pelo governo de Santa Catarina e os xokleng, um dos povos que a habitam.
O governo de Santa Catarina afirma que, pelo critério do marco temporal, os xokleng não têm direito aos 80 mil metros quadrados em disputa. Os xokleng, por sua vez, afirmam que historicamente aquela era uma terra deles, mas que, pela violência do Estado, foram obrigados a abandoná-la. Era comum, na década de 1930, que milícias fossem contratadas para matarem indígenas xokleng naquele estado.
A disputa judicial entre o governo de Santa Catarina e os xokleng se arrasta desde 2009, e, em 2019, foi decidido por Alexandre de Moraes, um dos ministros que compõem o STF, que o caso serviria como base para futuras ações judiciais do tipo no Brasil. Dessa forma, se o marco temporal for aplicado aos xokleng, ele poderá ser utilizado contra qualquer povo indígena do Brasil.
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Videoaula sobre minorias sociais: povos indígenas
Possíveis resultados do marco temporal
O debate do marco temporal colocou ruralistas e povos indígenas em lados contrários, e especula-se muito sobre as possíveis consequências caso essa tese jurídica seja legalizada. Entre os possíveis resultados estão:
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Povos indígenas podem perder suas terras.
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Os conflitos de terra podem ser reiniciados em locais já pacificados.
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A demarcação de novas terras indígenas será dificultada.
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Teme-se os riscos ambientais por conta de um possível avanço da pecuária e agricultura em terras indígenas.
Do lado dos ruralistas, é argumentado sobretudo que o marco temporal dará segurança jurídica aos agricultores e pecuaristas de que eles não serão expulsos de suas terras para que novos territórios indígenas sejam demarcados.
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