Usura na Idade Média

A Usura na Idade Média tornou-se um dos pontos mais discutidos entre teólogos, sobretudo nos séculos XII e XIII.

São Tomás de Aquino escreveu um tratado inteiro sobre a usura *

O problema da usura está presente na história humana desde as primeiras reflexões sobre economia e a relação dela com religião e/ou justiça. O filósofo grego Aristóteles já havia tecido reflexões de grande importância sobre esse assunto no século IV a.C., mas foi na Baixa Idade Média, entre os séculos XII e XIII, que esse tema teve um tratamento bastante intensivo, sobretudo da parte de intelectuais ligados à Igreja Católica, como Guillaume D' Auxerre e Santo Tomás de Aquino.

A usura, como bem a define o historiador francês Jacques Le Goff, é a “arrecadação de juros por um emprestador nas operações que não devem dar lugar ao juro. Não é, portanto, a cobrança de qualquer juro. Usura e juro não são sinônimos, nem usura e lucro: a usura intervém onde não há produção ou transformação material de bens concretos.”[1] Nesse sentido, o elemento definidor da usura é a cobrança de juros sobre o tempo do empréstimo de certa quantia de dinheiro a outrem. O dinheiro, o valor agregado à moeda, e sua relação com o tempo é o problema central da usura para os medievais. Isso fica claro na argumentação de Guillaume D' Auxerre, que segue abaixo:

O usurário age contra a lei natural universal, porque vende o tempo, que é comum a todas as criaturas. Agostinho diz que toda criatura é obrigada a fazer dom de si mesma; o sol é obrigado a fazer dom de si para iluminar; também a terra é obrigada a fazer dom de tudo o que pode produzir, assim como a água. Mas nada é dom de si de maneira mais conforme com a natureza do que o tempo; queiram ou não, as coisas possuem tempo. Por isso o usurário vende o que necessariamente pertence a todas as criaturas, lesa todas as criaturas em geral, até as pedras, de onde se conclui que, mesmo que os homens se calem perante os usurários, as pedras gritariam, se pudesse; e esta é uma das razões por que a Igreja persegue os usurários. De onde se conclui que é especialmente contra eles que Deus disse: 'Quando me reapossar o tempo, isto é, quando o tempo estiver na minha mão de maneira que um usurário não possa vender, então julgarei conforme a justiça.”. [2]

O ponto básico para os críticos medievais da usura é o seguinte: a cobrança de juros (qualquer que seja a quantia) sobre um empréstimo improdutivo, ou, em outras palavras, a cobrança de tributos indevidos sobre um empréstimo inicial que não tem perspectivas de gerar lucro extra. Sendo assim, o problema da usura, além de econômico, é também religioso e moral. Santo Tomás de Aquino também chegou a escrever um tratado inteiro sobre esse tema, levando em consideração o entendimento da tradição católica sobre juros e trocas comerciais (“dom” e “contradom”, em termos latinos).

Além do problema moral evidente, a usura configura-se como um pecado e era sempre vista de forma alegórica pelos intelectuais da Idade Média, isto é, viam-na como um mostro marinho, como uma hidra de muitas cabeças ou, então, como a imagem do homem que cai ao mar com uma bolsa onde leva sua fortuna e, para não afundar e morrer, deve livrar-se dela. Essas alegorias exprimem o peso de consciência inerente à prática usurária.

* Crédito da imagem: Shutterstock e Renata Sedmakova

NOTAS

[1] LE GOFF, Jacques. A bolsa e a vida: a usura na Idade Média. São Paulo: Brasiliense. p. 14

[2] D' AUXERRE, Guillaume. “Summa aurea”. Apud LE GOFF, Jacques. In: Para um novo conceito de Idade Média. Lisboa: Estampa, 1993, p. 43-44.

Por: Cláudio Fernandes

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