Nos fins do século XIX, o desmando dos grandes proprietários de terra e dos governantes locais incitou a formação de um interessante fenômeno histórico: o cangaço. Armados e não reconhecendo nenhuma espécie de autoridade, os cangaceiros percorreram o sertão nordestino realizando assaltos, saques e pilhagens em várias cidades e fazendas da região.
Na década de 1922, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, se tornou um dos mais famosos líderes de cangaço. Além de exercer liderança em seu grupo, Lampião causou terror às autoridades em confrontos que desafiavam a estabilidade da ordem republicana e o interesse dos grandes fazendeiros. Mesmo não defendendo algum senso de justiça ou ideal, Lampião pode ser visto como claro reflexo dos desmandos de uma estrutura política abusada por poderosos.
Em agosto de 1925, o bando de Lampião foi surpreendido por um destacamento de oficiais que o perseguia no sertão pernambucano. Depois de ver seu irmão Livino sendo atingido por um tiro fatal, o líder dos cangaceiros deu início a um terrível tiroteio. Entre as balas que vinham de todos os lados, um cacto também foi atingido e um de seus espinhos cravejou um dos olhos de Lampião.
Mesmo depois receber um tratamento, o líder dos cangaceiros acabou perdendo a visão do olho atingido. Controverso entre a violência e o humor, o lendário cangaceiro dizia que não havia problema algum na perda, já que tinha mesmo que fechar um dos olhos para poder atirar em seus inimigos. Contudo, também por vaidade, Lampião passou a empregar um par de óculos que escondia a sua deficiência e, de quebra, protegia a visão contra o escaldante sol nordestino.
Segundo consta em algumas de suas biografias, Lampião utilizou cerca de três exemplares ao longo de sua vida. Encontrados hoje na Casa de Cultura da Serra Talhada, dois óculos tinham aros redondos e nenhum outro tipo de sofisticação. Em contrapartida, alguns relatos sugerem que ele também possuía uma armação especial toda revestida em ouro.
Ao que tudo indica, o valioso exemplar acabou sendo roubado quando o destemido cangaceiro foi morto na brutal emboscada da gruta do Angico, Sergipe, no ano de 1938. Após matarem Lampião, sua companheira Maria Bonita, e mais nove integrantes do bando, os policiais tomaram todos os valiosos pertences que estavam sob domínio do grupo. Provavelmente, os valiosos óculos foram espertamente retirados antes que os cangaceiros tivessem suas cabeças expostas em praça pública.
A morte de Lampião representou o processo de desarticulação do cangaço. Nessa época, o crescente processo de industrialização e urbanização conseguiu atrair grandes números da mão de obra nordestina para a região Sudeste do país. Com isso, o banditismo acabou perdendo a sua força em decorrência das oportunidades de emprego que estavam surgindo nas fábricas. Dessa forma, Lampião e os seus óculos de ouro ficaram depositados no conjunto de histórias que marcou o Brasil das oligarquias.