Para que se compreenda melhor a história, faz-se necessário entender, minimamente, o que é um documento histórico e a sua importância para essa disciplina.
Como se define, entre os historiadores, o que é um documento histórico? Já parou para pensar nisso? Como saber o que pode ser objeto de estudo de um historiador e o que não pode? Como se formaram os critérios para definir o que é documento, estritamente, histórico? Pois bem, atualmente, como existem várias correntes de pesquisa histórica, com vários interesses e objetos de estudo diferentes – que abrangem áreas desde a política e a economia até temas culturais muito específicos, como o vestuário –, praticamente qualquer coisa produzida por seres humanos ao longo do tempo pode ser considerada documento histórico. Mas nem sempre foi assim.
A História tornou-se sistemática e, dessa forma, passou a ser considerada uma “disciplina científica” somente no século XIX, junto à Sociologia e à psicologia. Outras ciências, de outros campos, como a biologia, também só se organizaram efetivamente nesse século. Como o principal modelo de ciência dessa época era a ciência física, que havia se consolidado desde meados do século XVII com Galileu e outros, disciplinas como a História procuraram a todo custo definir com objetividade e precisão os seus métodos e os seus objetos de estudo. Foi nessa época que a categoria “documento” passou a ser efetivamente a “âncora” da objetividade em História.
Desde o século XVIII, grandes eruditos haviam desenvolvido a “crítica de documentos”, uma metodologia que até hoje é imprescindível ao trabalho do historiador. Mas a crítica tradicional de documentos, basicamente, só considerava documentos históricos dignos de nota aqueles que eram escritos, em especial os documentos oficiais, produzidos por instituições como o Estado, a Igreja etc. Porém, havia nisso um problema: documento escrito, tal como uma bula papal, ou um decreto estatal, ou ainda a Constituição de uma nação, entre outros, restringia muito o alcance que poderia ter o interesse de um historiador.
Foi pensando nessa restrição que historiadores do início do século XX passaram a ampliar a categoria de “documento histórico”, acrescentando, por exemplo, vestígios materiais, como peças de roupas antigas, armas, moedas, insígnias, entre outros, além de fontes de outras disciplinas auxiliares, como a arqueologia e a antropologia. Esse acréscimo de material para a pesquisa histórica possibilitou ao historiador do século XX construir narrativas históricas com riquezas de detalhes nunca antes desenvolvidas.
Desde o início do século XX até os dias presentes, os documentos históricos tornam-se cada vez mais variados. Há, por exemplo, pesquisas sobre a história das práticas de leitura, que levam em consideração o suporte pelo qual os livros foram feitos ao longo da história, como papiros, códice e tipos de papel, e o tipo de tinta usado e a técnica de cópia e impressão. Há também a história da moda, história da vida privada, história da higiene e por aí vai.
Pode-se, então, responder à pergunta “O que é um documento histórico?” afirmando: é tudo aquilo que o ser humano produziu ao longo de sua história. Tudo isso interessa ao historiador, dependendo do enfoque que ele der ao período histórico estudado. Basta que o historiador, no desenvolvimento de sua pesquisa, saiba como “interrogar” esses documentos, já que, como diz o historiador francês Jacques Le Goff: “[...] os documentos não aparecem, aqui ou ali, pelo efeito de um qualquer imperscrutável desígnio dos deuses... (eles) dependem de causas humanas que não escapam de forma alguma à análise, e os problemas postos pelas sua transmissão.” (Le Goff, Jacques. A história nova. São Paulo: Martins Fontes, 1990. p 101).