O que é história da vida privada?

A história da vida privada é uma corrente de historiografia que se desenvolveu na França nas últimas décadas do século XX e tem enorme importância para os estudos em história.

Pinturas como essa que representam os modos de cuidado materno na intimidade de um lar são fontes para a história da vida privada

Na tradição da historiografia francesa do século XX, desde as primeiras décadas desse século, sempre houve uma preocupação com os fundamentos do ofício do historiador, isto é, preocupações com o problema dos objetos de estudo, os tipos de documentos estudados e os tipos de abordagem empregados. Desde a “Escola dos Annales”, nascida em 1929, com as pesquisas de Marc Bloch e Lucien Febvre, essas preocupações eram patentes.

Na virada da década de 1970 para a década de 1980, uma geração de historiadores, herdeira da “Escola dos Annales”, passou a estender as propostas de novos objetos e novas abordagens no terreno da história. Esse movimento ficou conhecido como “Nova História”. Foi da “Nova História” que surgiu um dos mais expressivos projetos de pesquisa histórica do século XX: a “História da vida privada”.

A “história da vida privada” consistiu, ao mesmo tempo, em um empreendimento de pesquisa e em uma proposta de estabelecimento de um campo novo para a história. O objetivo era o estudo de temas relacionados com o foro íntimo ao longo da história. O campo relacionado com a “vida privada” exigia um manejo de fontes históricas até então não muito exploradas. A interpretação de pinturas, espaço habitacional, esculturas, textos literários, tratados moralistas sobre comportamento, etc., pretendia atingir o objetivo de reconstrução do foro privado nas diversas épocas históricas. Os dois principais organizadores desses estudos foram os historiadores franceses Georges Duby e Philippe Ariès.

Os estudos da história da vida privada acabaram sendo divididos em cinco volumes. O primeiro abrangendo o mundo antigo, o segundo, o mundo medieval, o terceiro, o mundo moderno, o quarto e o quinto, desde a Revolução Francesa até os nossos dias. Em cada um desses volumes se buscava a compreensão das práticas íntimas, desde a forma de se comer, de ler, de se higienizar, até a prática sexual e o lazer.

O historiador Georges Duby, especialista em história medieval, procurou definir no volume que trata do período histórico que lhe é familiar o estudo da vida privada. Disse ele:

A vida privada é portanto vida de família, não individual, mas de convívio, e fundada na confiança mútua. Em torno dos termos que exprimem nessa época a noção de privacy mantém-se, com efeito, enriquecendo essa noção, uma constelação de outros termos. Detenhamo-nos em um deles, commendatio, palavra-chave, na verdade, pois define a entrada na relação sobre a qual se edificava a concórdia no interior dos grupos privados.” (Duby, Georges. Duby, Georges. (ogr.) História da vida privada (v. 2) – Da Europa Feudal à Renascença. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.)

Em cada um dos volumes os especialistas procuravam traçar as definições de vida privada apropriada à época estudada, com o cuidado de não se cometer anacronismo, isto é, não imputar a épocas passadas os valores de outra época distinta.

Esses estudos sobre vida privada desencadearam uma série de seguimentos e estudos específicos ao redor do mundo e transformaram a forma de enxergar a história. É possível, por exemplo, dos anos 1990 para cá, perceber forte influência dos estudos sobre história da vida privada nos conteúdos dos livros didáticos de história usados em sala de aula.

Por: Cláudio Fernandes

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