O Programa de Von Martius para a História do Brasil

O Programa de Von Martius para a História do Brasil foi publicado pela revista do IHGB em 1845 e tornou-se peça fundamental para os historiadores posteriormente.

O alemão Von Martius foi o primeiro a elaborar um programa de orientação sobre “como se deve escrever a história do Brasil”

Sabe-se que o século XIX é, por excelência, o século do “nacionalismo”. O advento do modelo de Estados Nacionais burgueses, sobretudo na Europa e nas Américas após a Revolução Francesa e a Era Napoleônica, suscitou vasta bibliografia que teve por objetivo referendar ou repudir tal viés nacionalista. A literatura romântica, no caso brasileiro, foi durante décadas o principal veículo de construção do Brasil “Nação”. Somente a partir da década de 1840, após a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), é que começaram os primeiros esboços ou programas para se escrever, do ponto de vista científico, a “História do Brasil”.

Nesse contexto, o IHGB tratou de elaborar, no início dos anos 1840, um concurso para a eleição do melhor manual sobre como deveria ser escrita a História do Brasil, que modelo deveria ser seguido e quais seriam suas fontes principais. O texto ganhador do concurso foi de autoria do naturalista alemão Karl Philip Von Martius, redigido em 1843 e publicado na Revista Trimestral de História e Geografia ou Jornal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em janeiro de 1845, no número 24, tomo 6, abrangendo as páginas 381 a 403.

Von Martius já era conhecido por ter participado de expedições pelo interior do Brasil ao lado de Spix, outro naturalista. O título completo de seu programa era: “Como se deve escrever a História do Brasil: Dissertação oferecida ao Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, pelo Dr. Carlos Frederico Ph. De Martius, acompanhada de uma biblioteca brasileira ou lista de obras pertencente à história do Brasil”. O plano historiográfico de Martius teve um impacto enorme sobre as gerações de historiadores do século XIX e da primeira metade do século XX, sobretudo por ter sugerido incorporar à “História do Brasil” a mescla dos elementos das três raças: o branco (europeu/português), o índio/nativo e o negro/africano.

Logo nos primeiros parágrafos do programa Martius, apesar de não ter formação estrita em história, demonstra conhecer muito bem todas as fontes de tratados descritivos sobre o Brasil desde o século XVI e assinala saber que houve, sem dúvida, resistência de negros e índios à colonização portuguesa, mas vê justamente nessa resistência a arquitetura da nação. Abaixo segue um trecho de seu texto:

Sei muito bem que Brancos haverá, que a uma tal ou qual concorrência dessas raças inferiores taxem de menoscabo à sua prosápia; mas também estou certo que eles não serão encontrados onde se elevam vozes para uma historiografia filosófica do Brasil. Os espíritos mais esclarecidos e mais profundos, pelo contrário, acharão na investigação da parte que tiveram, e ainda as raças da Índia Etiópica no desenvolvimento histórico do Povo Brasileiro, um novo estímulo para o historiador humano e profundo. [1]

Percebe-se que Von Martius reclama a interação entre as raças, e não apenas a concessão do privilégio de protagonismo aos “brancos”. A ideia da miscigenação racial e da contribuição de cada uma dessas três raças teve repercussão na obra de historiadores do século XIX, como Vanhagen, Capistrano de Abreu e Sílvio Romero. Na primeira metade do século XX, as teses de Martius encontraram lastro nas obras de Oliveira Vianna, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, entre muitos outros. Muitos discordavam frontalmente de seu programa, mas todos consideravam Martius leitura obrigatória e fundamental.

NOTAS

[1] MARTIUS, K. F. V. apud RODRIGUES, José Honório. Como se deve escrever a História do Brasil. In: Revista de História de América, n. 42 (dez., 156), p. 442.

Por: Cláudio Fernandes

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