Fugas de escravos no Brasil colonial

A resistência dos africanos que vieram compulsoriamente ao Brasil revestiu-se de várias formas, das quais se destacam as fugas de escravos.

Desenho de Jacques Etienne Arago (1790-1854) retratando uma punição a um escravo, um dos principais motivos de fuga

A existência e a exploração do trabalho escravo foram o que garantiu a estruturação da colônia e depois da independência, do Estado e da sociedade brasileira por quase quatrocentos anos. Milhões de africanos escravizados entraram no território onde hoje se localiza o Brasil para trabalhar compulsoriamente nas mais diversas atividades econômicas.

Entretanto, os africanos escravizados não aceitaram pacificamente a escravidão, as fugas de escravos, os quilombos e a resistência cotidiana foram uma das principais características da resistência escrava no Brasil.

As fugas foram uma das formas encontradas para se resistir e opor-se aos castigos físicos, às longas jornadas de trabalho e a toda sorte de arbitrariedades a que eram submetidos os negros escravizados. Estudos historiográficos produzidos nas últimas décadas no Brasil vêm apresentando novas abordagens no estudo sobre a escravidão. Alguns desses estudos apontam a existência de dois tipos principais de fuga realizadas pelos negros: as fugas de rompimento e as fugas reivindicativas.

As fugas de rompimento eram as que questionavam na prática a escravidão, pois o escravo lutava para alcançar sua liberdade do jugo de seu senhor. Na fuga de rompimento, o escravo superava a fiscalização e o controle exercido por feitores e outros funcionários das fazendas, embrenhando-se pelas matas e também pelas cidades para construir uma nova vida. A formação de quilombos foi a principal característica da fuga de rompimento.

O mais famoso desses quilombos foi o Quilombo dos Palmares, localizado onde hoje é o estado do Alagoas. Liderado durante um período por Zumbi, Palmares foi liquidado pelos bandeirantes paulistas. Entretanto, Palmares teve importantes consequências posteriores, já que o seu fim levou a coroa portuguesa a definir o que era quilombo: toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte desprovida, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles. Foi após Palmares também que surgiu uma figura comum na escravatura brasileira: o capitão do mato, responsável por perseguições aos escravos fugidos.

Porém, Palmares não foi o principal modelo de quilombo que existiu no Brasil. Outros tipos de quilombos se formaram, menores, principalmente os próximos às áreas urbanas. Esses, na maioria das vezes, utilizavam os expedientes de saque e roubos em estradas e fazendas, utilizando os produtos para comercializar em uma rede extensa de compra e venda, auxiliados por pessoas livres nas cidades, inclusive familiares. Tais ações minavam aos poucos o escravismo, como uma luta de resistência que contribuiu para o seu fim.

Porém, as fugas não podem ser generalizadas e superestimadas, pois, caso contrário, não teria havido a estabilidade de séculos no processo de escravidão. No século XIX é que as fugas, somadas às rebeliões, iriam se intensificar no Brasil.

O outro tipo de fuga, as fugas reivindicatórias, era a mais comum. Elas caracterizavam-se principalmente pela busca de melhorias nas condições do trabalho escravo nas fazendas. Um caso que pode ser utilizado para exemplificar esse tipo de fuga foi o que ocorreu no Engenho Santana de Ilhéus. Após a fuga para as redondezas do Engenho, os fugidos apresentaram uma série de reivindicações para voltarem, como folgas nos finais de semana, melhores condições de trabalho, escolha de novos feitores com aceitação dos escravos e ainda a possibilidade de poderem “brincar, folgar e cantar em todos os tempos que quisermos sem que nos empeça e nem seja preciso licença”.[1]

As fugas reivindicatórias ocorriam também em casos em que o escravo era vendido a outro senhor. Sua fuga pressionava para que o antigo dono o tomasse de volta, não se afastando das redes de sociabilidade construída. Havia ainda fugas com o objetivo de que outro senhor comprasse o escravo, que não estava satisfeito com as condições de vida naquela propriedade.

Com essa pequena exposição, é possível refletir sobre o fato de que a maior parte das lutas de resistência seria composta de fugas temporárias ou de reivindicação, pretendendo os escravos conseguirem maior autonomia dentro da própria escravidão e, possivelmente, um tempo maior de dedicação ao trabalho da terra para si, em uma ação de viés camponês. Os protestos eram, assim, mais de mudança na escravidão do que de rompimento com ela. Mas isso somente até o século XIX, quando houve uma intensificação na luta pelo fim da escravidão no Brasil.

Nota:

[1] AMARAL, Sharyse Piroupo do. História do negro no Brasil. Brasília: MEC; Salvador: CEAO, 2011. p. 16

Por: Tales Pinto

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