A história da transferência da capital brasileira para o centro do país

A história da transferência da capital brasileira para o centro do país remonta aos inícios do Império e ainda é pouco conhecida e estudada.

A construção de Brasília resultou do antigo projeto de transferência da capital para o centro do país*

A cidade de Brasília é considerada, internacionalmente, um dos grandes monumentos arquitetônicos e um dos mais ousados projetos urbanísticos do mundo. É sabido que sua construção foi realizada durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), tendo sido resultado de um planejamento conjunto do arquiteto Oscar Niemeyer e do urbanista Lúcio Costa. Entretanto, o que se explora pouco é a trajetória da ideia da transferência da capital brasileira para o centro do país.

Essa história remonta às vésperas da Independência do Brasil. Em 1821, José Bonifácio e Andrada e Silva, considerado o patriarca da Independência, percebeu que se a capital do Brasil continuasse no litoral – naquela época, a cidade do Rio de Janeiro era a capital brasileira, mas antes havia sido Salvador, uma cidade litorânea também – todo o país estaria vulnerável ao ataque de possíveis invasores de outros países, como os corsários franceses, que saqueavam e pilhavam colônias em terras americanas.

Sendo assim, José Bonifácio sugeriu que no Planalto Central brasileiro fosse construída a nova capital, que poderia se chamar Petrópolis, em homenagem ao então príncipe Dom Pedro, ou Brasília. Apesar da sugestão do estadista, a primeira constituição imperial, promulgada em 1824, não incorporou a ideia da transferência. A efetiva transformação dessa ideia em projeto de lei e, depois, em lei efetiva, só se deu nos fins do século XIX, já sob a atmosfera política republicana.

Segundo informações do historiador Luiz Ricardo Magalhães, no artigo intitulado “Missão Cruls: o sertão e a nova capital”, o projeto de lei de transferência da capital para o interior foi de autoria do senador piauiense Nogueira Paranaguá. Paranaguá retomava não apenas a proposta de Bonifácio, mas se apoiava na defesa que o historiador Francisco A. Varnhagen fizera em seu opúsculo “A Questão da Capital: Marítima ou Interior?”, 1877. Além disso, o senador piauiense também acentuava o fato de o Rio de Janeiro (dos fins do século XIX) ser uma cidade visivelmente insalubre, sobretudo por conta do crescente número de óbitos provocados por doenças tropicais, principalmente a febre amarela.

O projeto de lei de Paranaguá foi vitorioso e a ideia da transferência da capital se tornou lei efetivamente em 1891, integrando a primeira constituição republicana, promulgada em 24 de fevereiro desse mesmo ano. No ano seguinte à constituição, o Congresso Nacional Brasileiro aprovou (aprovação essa referendada pelo então presidente Floriano Peixoto) a formação de uma expedição para estabelecer os limites de um terreno no Planalto Central do Brasil, onde seria construída a nova capital. O terreno, após demarcado, ficaria sob posse da União, isto é, pertenceria à esfera federal, constituindo, portanto, um Distrito Federal desde o momento de sua devida demarcação.

Essa expedição, que durou cerca de treze meses, entre 1892 e 1893, ficou conhecida como “Missão Cruls”, isto porque foi liderada pelo engenheiro belga Luís Cruls, e contava com uma comitiva de astrônomos, engenheiros, militares, médicos, botânicos e uma gama de outros cientistas. Cruls conseguiu estabelecer topograficamente uma área no Planalto Central que ficou conhecida como “retângulo Cruls”. É exatamente esta área que, ainda hoje, conhecemos como Distrito Federal, na qual foi construída Brasília.

Apesar da delimitação do território e do profundo estudo da região central do Brasil, empreendido pela comitiva de Luís Cruls, os governos posteriores não manifestaram interesse na transferência da capital. Contudo, a lei que previa a sua construção no Distrito Federal sempre vigorou nas outras constituições (de 1934 e 1946).

Só na década 1950, no governo JK, houve a realização dessa ideia que mudou os rumos do Brasil. Somaram-se aos motivos precedentes para a transferência, outros como a necessidade da integração regional do Brasil e a descentralização política e administrativa, que já havia sido iniciada com Getúlio Vargas, nas décadas de 1930 e 1940.

Por: Cláudio Fernandes

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