O lobisomem é um personagem do folclore que tem origem na Europa, na Idade Antiga. Atualmente ele também é um personagem do folclore brasileiro e de diversos outros países.
O lobisomem é um personagem do folclore representado atualmente como um humano que, nas noites de Lua cheia, se transforma em um híbrido de humano e lobo, daí seu nome. Parte do folclore da Europa, a lenda do lobisomem se originou na Grécia, e, por meio do Império Romano, foi difundida para quase toda a Europa.
Foram os portugueses que trouxeram a história para o nosso país. Por aqui, a lenda passou por mudanças, tornando o lobisomem brasileiro diferente do europeu. Durante a Idade Média, muitas pessoas foram condenadas pela Igreja Católica por licantropia, crença na qual humanos se transformavam em feras. A difusão do mito lupino foi uma estratégia de controle utilizada pela Igreja durante o período medieval e moderno.
A lenda do lobisomem chegou ao Brasil por meio da colonização portuguesa. Aqui, ele se transformou no que Câmara Cascudo chamou de lobisomem tupiniquim, um lobisomem tipicamente brasileiro, menos voraz do que o europeu.
Leia também: Boto-cor-de-rosa — lenda do animal que se transforma em um homem belo, festeiro e galanteador
Resumo sobre o lobisomem
-
O lobisomem é uma fera que é parte humana e parte lobo, pertencente ao folclore.
-
A crença popular é de que a pessoa com a maldição se transforma em lobisomem nas noites de Lua cheia. Em alguns lugares do Brasil, persiste a crença de que a transformação ocorre todas as sextas-feiras.
-
Usando-se de uma bala de prata, pode-se matar o lobisomem com um tiro certeiro no coração.
-
Licantropia é a crença de que as pessoas podem se transformar em lobos ou outros animais.
-
Licaão, rei de uma cidade da antiga Grécia, foi transformado por Zeus em um lobo, daí a origem da palavra “licantropia”.
-
O cinema de Hollywood ajudou a difundir a lenda do lobisomem para todo o mundo.
O que diz a lenda do lobisomem?
A lenda do lobisomem é milenar, tendo mais de dois mil anos. Também é uma lenda comum em diversos lugares do mundo, por isso, varia muito. Todavia, a lenda do lobisomem fala de um homem (na Europa também pode ser uma mulher) que se transforma em um animal feroz, um híbrido entre ser humano e lobo.
As diferentes tradições orais defendem que existem diversas formas de se tornar um lobisomem, como: ser mordido por um lobo ou por um lobisomem; ser o oitavo filho depois de nascidas sete meninas; ser fruto da relação de um padre com uma mulher; por maldição; por hereditariedade; como castigo pelos pecados cometidos, entre diversas outras maneiras.
Tradicionalmente a pessoa se transforma em lobisomem nas noites de Lua cheia, mas, em algumas regiões do Brasil, a crença é de que a transformação ocorre à meia-noite de todas as sextas-feiras. A metamorfose acontece na frente de um cemitério ou em uma encruzilhada.
A forma como um lobisomem pode ser morto variou com o passar do tempo. Inicialmente, qualquer ferimento fazia com que a maldição fosse quebrada e que a pessoa nunca mais se transformasse em lobisomem. No período moderno, a bala de prata passou a ser a forma mais comum de matar o lobisomem, geralmente com um tiro certeiro no coração.
Veja também: Curupira — uma das lendas mais antigas do folclore brasileiro
Características do lobisomem
Na Grécia Antiga, a crença era de que o ser humano se transformava em um lobo como no caso do rei Licaão. Já no século I existiam registros romanos de uma transformação em um ser de aparência híbrida, com andar bípede, semelhante ao do humano, mas com o aspecto de um grande lobo.
Na sua obra Satiricon, o romano Petrônio conta a história de um legionário que, durante a Lua cheia, se transformava em lobo, invadindo casas e atacando humanos. Em uma noite, na sua forma de fera, foi ferido no pescoço durante um ataque, e, no dia seguinte, na sua forma humana e com um ferimento no pescoço, denunciou ser um caso de licantropia.
Nas imagens da idade moderna, o lobisomem é apresentando numa forma semelhante à atual, com uma aparência antropozoomorfizada. Nos primeiros filmes de Hollywood sobre lobisomens, estes tinham um porte pequeno, semelhante ao dos humanos; no entanto, com o passar do tempo, eles ganharam massa muscular, sendo geralmente representados com a estatura e porte muito maior do que dos humanos.
Origem da lenda do lobisomem
A origem da lenda do lobisomem, segundo as fontes históricas, ocorreu na Grécia Antiga. Licantropo é como o lobisomem era chamado na época: lykos (lobo) + antropo (ser humano).
Segundo a mitologia grega, Licaão, o rei da Arcádia, desagradou a Zeus e, como punição, foi transformado em um lobo. Existem duas principais versões sobre o motivo de ele ter sido castigado por Zeus. Em uma delas, ele foi punido por oferecer carne humana ao deus, e, em outra, ele por tentar assassiná-lo.
Os romanos absorveram parte da cultura grega, inclusive a lenda do lobisomem. De Roma a lenda foi levada para todas as regiões do Império, Europa Ocidental, Norte da África, Grã-Bretanha, Ásia Menor e região do Levante. Na Idade Média, o mito lupino foi utilizado pela Igreja Católica como instrumento de controle social. O lobisomem foi um personagem perseguido pela Igreja Católica medieval, assim como as bruxas. Na Idade Moderna, a prática continuou.
→ Stumpp, o Lobisomem de Bedburg
No século XVI, Peter Stumpp, um fazendeiro, foi acusado de se transformar em lobo e de assassinar pessoas na cidade alemã de Bedburg, o que lhe rendeu a alcunha de “Lobisomem de Bedburg”. O caso de Stumpp é bem documentado por três fontes diferentes, todas contemporâneas ao julgamento. Stumpp era um rico fazendeiro e, em 1589, foi acusado de ter assassinado e devorado diversas pessoas, a maioria delas crianças.
Ele foi interrogado sob tortura, sendo colocado no cavalete, instrumento que esticava os membros da pessoa, provocando extrema dor nas articulações. Desse modo, Stumpp afirmou que recebeu do próprio diabo um cinto mágico que, quando usado, o transformava em um lobisomem sedento de sangue, levando-o a cometer os crimes.
Ele admitiu ter devorado mais de uma dezena de crianças e duas mulheres grávidas quando na forma de lobisomem. Após o julgamento, Stumpp foi amarrado em uma roda e brutalmente torturado, teve parte da sua pele arrancada com grandes pinças aquecidas, e seus membros quebrados pela cabeça de um machado. Finalmente, ele foi decapitado em 31 de outubro de 1589. Após a execução, o corpo de Strumpp foi queimado, e sua cabeça foi exposta em um poste, junto da estátua de um lobo.
Não sabemos se realmente Strumpp cometeu os crimes que confessou, o que o tornaria um assassino em série do século XVI, ou se ele confessou os atos por causa da tortura. O fato é que a história do Lobisomem de Bedburg ganhou notoriedade na Europa, ajudando a difundir a lenda do lobisomem no continente.
→ O Lobisomem de Kaltenbrun
Outro julgamento sobre a prática de licantropia foi o de Thiess de Kaltenbrun, cidade da região da Livônia, na época parte da Suécia. Thiess tinha cerca de 80 anos no final do século XVII, quando passou a afirmar em público que se transformava em lobisomem. Ele alegava ser um lobisomem bom, que lutava em nome de Deus contra as forças do mal.
As declarações de Thiess chegaram até a justiça, e ele confirmou no tribunal que era um lobisomem de Deus. Devido à idade avança, ele teve uma pena leve, sendo condenado a 20 chibatadas por ter delírios diabólicos.
A lenda do lobisomem persistiu por toda a Idade Moderna e pela Idade Contemporânea. No século XIX, diversos livros foram publicados sobre o lobisomem. Desde o início do cinema, o lobisomem se tornou um personagem recorrente nos filmes, popularizando-se no mundo inteiro.
Lobisomem no Brasil
A lenda do lobisomem chegou aqui pelos colonizadores europeus, tornando-se popular e ganhando características específicas em diferentes regiões do Brasil. Nas regiões Norte e Nordeste, homens anêmicos, fracos e debilitados eram vistos como possíveis lobisomens. Já na região Sul, o lobisomem nascia de relações incestuosas. No interior de São Paulo, ele atacava as casas à noite, devorando crianças, principalmente aquelas que não foram batizadas.
Câmara Cascudo, um dos maiores estudiosos do folclore brasileiro, afirmou que não existia uma única cidade do Brasil que, em meados do século XX, não tivesse um causo sobre o lobisomem. Ele apontou que, nas cidades do interior, corríamos o risco de nos deparar com o lobisomem ou com uma pessoa que conhece alguém que é lobisomem, tal era a presença da lenda no folclore brasileiro.
Para Helena Gomes, em sua obra O livro dos lobisomens, os lobisomens europeus se tornavam feras por mordida ou por feitiço. Já no Brasil, a pessoa poderia se transformar em lobisomem por diversas maneiras, como nascer filho de um casal que, anteriormente, teve sete filhas.
Na Europa geralmente a pessoa se transformava em lobisomem durante a Lua cheia. No Brasil, a crença predominante é a de que a metamorfose ocorre à meia-noite de todas as sextas-feiras, independentemente da fase lunar.
Na crença europeia, o lobisomem poderia ser morto com um tiro de bala de prata no coração. No Brasil, uma bala de chumbo mataria o monstro, desde que, no disparo, ela estivesse untada com a cera de uma vela utilizada em três missas do galo.
Curiosidades sobre o lobisomem
-
Joanópolis, cidade do interior de São Paulo, é considerada a capital do lobisomem. Muitos turistas são atraídos para a cidade atrás de histórias e das lojas que vendem artigos sobre o personagem.
-
Em 1913, foi lançado o primeiro filme sobre o lobisomem, chamado O lobisomem. No curta-metragem, uma mulher navajo se transforma em um lobo selvagem.
-
Em 1935, a Universal Pictures lançou O lobisomem de Londres, filme de terror que fez sucesso em diversos países.
-
Atualmente a licantropia é uma síndrome psiquiátrica na qual a pessoa acredita se transformar ou ser um animal. É considerada uma síndrome rara.
-
A hipertricose é um distúrbio no qual muitos pelos crescem no corpo da pessoa, inclusive no rosto. Pessoas com hipertricose eram associadas aos lobisomens.
Saiba mais: Qual é a lenda do corpo-seco?
Algumas outras lendas do folclore brasileiro
-
Matinta perera: é uma lenda muito popular na região Norte do nosso país. Ela é uma mulher idosa que, à noite, se transforma em pássaro e atormenta as pessoas com seu assovio, cessando-o somente quando a pessoa lhe prometer uma prenda, que será retirada por ela no outro dia, na forma de mulher. Se a pessoa não cumprir o combinado, matinta pode provocar malefícios a ela.
-
Saci pererê: lenda provavelmente originária do Sul do país. O saci é um menino negro, de uma perna só e com gorro vermelho. Durante a noite, ele faz travessuras. Saiba mais sobre o personagem clicando aqui.
-
Curupira: personagem do folclore conhecido por ser o protetor das florestas e por ter os dois pés ao contrário. Ele castiga caçadores, lenhadores e pessoas que incendeiam as matas. Para saber mais sobre esse personagem, clique aqui.
-
Negrinho do pastoreio: também originário da região Sul do Brasil. Segundo a lenda, ele era um escravo órfão que foi severamente castigado pelo seu senhor por deixar um cavalo escapar. Seu corpo surrado foi deixado sobre um grande formigueiro. No dia seguinte, quando o patrão foi ver o provável cadáver, encontrou o menino sobre o cavalo e com a Virgem Maria ao seu lado.
-
Mãe do ouro: lenda muito popular nas regiões mineradoras do Brasil, como Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Ela indica a localização das jazidas de ouro para os garimpeiros ao se transformar em uma bola de fogo. Também pune os criminosos, sobretudo maridos que violentam as esposas. A lenda é associada ao fogo fátuo.
-
Cuca: é uma bruxa má que, no Brasil, ganhou características reptilianas. Ela rapta as crianças, principalmente as desobedientes. Ela está presente em uma das cantigas de ninar mais populares do Brasil, o “Nana neném”.
-
Boitatá: é um personagem do folclore indígena registrado por Anchieta ainda no primeiro século de colonização. O boitatá é uma cobra de fogo que pune aqueles que tentam incendiar as matas. Ele também é uma lenda associada ao fogo fátuo.
Créditos da imagem
Fontes
CASCUDO, Luís da Câmara. Folclore do Brasil. Editora Global, Rio de Janeiro, 2017.
MAGALHÃES, Basílio de. O folclore do Brasil. Edições do Senado Federal, Brasília, 2006.
NETO, Simões Lopes. Contos gauchescos e lendas do Sul. Editora l&PM, Porto Alegre, 1998.
SANTOS, J. da S. Projeções do lobisomem na literatura: uma arqueogenealogia do corpo-espaço lupino. UFU, Uberlândia, 2019. Disponível em https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/28473/3/ProjecoesLobisomemLiteratura.pdf