O nascimento da Filosofia no sentido de um conhecimento racional e sistemático, foi uma atividade que se iniciou na Grécia Antiga.
A Filosofia no sentido de um conhecimento racional e sistemático, foi uma atividade que, segundo se defende na história da filosofia, iniciou na Grécia Antiga. Isso não significa que os demais povos da Antiguidade eram desprovidos de pensamento, mas sim que o pensamento filosófico ocorreu apenas porque a Grécia reunia características favoráveis a essa forma de expressão pautada por uma investigação racional.
O poeta Homero buscava as causas dos acontecimentos narrados e tentava apresentar uma versão completa do fato; o poeta Hesíodo, procurava por meio do nascimento dos deuses explicar a origem do universo. Essa tradição cultural teve repercussão na obra dos primeiros filósofos, como Pitágoras e Tales de Mileto.
Correlacionada aos mitos, as religiões gregas como Orfismo e os mistérios de Elêusis influenciou as filosofias de Pitágoras, Heráclito, Empédocles e Platão. A inexistência de um livro sagrado possibilitou a livre expressão de ideias.
O pensamento mítico explica a realidade a partir de uma realidade exterior, de ordem sobrenatural, que governa a natureza. O mito não necessita de explicação racional e, por isso, está associado à aceitação dos indivíduos e não há espaço para questionamentos ou críticas. O pensamento mítico perde a função de explicar a realidade, mas essa transição dependeu de fatores que transformaram a sociedade grega.
O pano de fundo é a decadência da civilização micênico-cretense, com uma estrutura fundada na monarquia divina, aristocracia militar e economia agrária. A invasão da Grécia pelas tribos dóricas propiciou o surgimento das cidades-Estado. A política, participativa, e o comércio que se desenvolvia, foram outros fatores que influenciaram a perda de importância do pensamento mítico.
Tanto o comércio, tanto a política, exigiam a convivência entre pensamentos distintos. É justamente em Mileto, colônia que representava o papel de importante porto comercial e que, portanto, era palco de intenso intercâmbio cultural, que surge a filosofia. Do desenvolvimento do comércio decorre também o aumento das viagens, assim, as pessoas descobriram que alguns lugares relatados nos mitos não existiam ou não eram povoados da forma como eram descritos. O mundo tornou-se mais concreto e menos encantado.
Com o comércio, também foi preciso inventar três tecnologias que inexistiam: o calendário, a moeda e o alfabeto. Com o calendário, tornou-se possível calcular o tempo e analisá-lo; com a moeda, tornou-se possível fazer uma troca simbólica de mercadorias por um valor abstrato. A invenção da escrita alfabética inaugura uma capacidade maior de abstração: ao contrário de escritas que partem de imagens, como os hieroglifos, a escrita alfabética representa a ideia.
A política, dentro desse contexto social agora formado também por pessoas que enriqueceram pelo comércio, inaugura a lei como forma de regular a cidade. No espaço público, marcado por diferenças, o discurso precisava também ser diferente: argumentativo. Em vez das decisões baseadas em mitos, surge a importância de convencer a todos a partir de argumentos apresentados e discutidos.
As primeiras escolas de pensamento, do período Pré-Socrático, eram caracterizadas pela importância da crítica a respeito daquilo que se ouvia. Pensamentos, diferentes das verdades transmitidas por tradição mítica, podiam ser questionados e reformulados a partir do exame dos argumentos que os sustentavam. Os questionamentos, também, precisavam ser sustentados por argumentos, ou seja, precisavam ser justificados por aqueles que discordavam a fim de que passassem por uma análise crítica.
Sobre esse aspecto, salienta o filósofo Karl Popper:
“O que é novo na filosofia grega (…), parece-me consistir não tanto na substituição dos mitos por algo mais “científico”, mas sim em uma nova atitude em relação aos mitos. Parece-me ser meramente uma consequência dessa nova atitude o fato de que seu caráter também começa então a mudar.
A nova atitude que tenho em mente é a atitude crítica. Em lugar de uma transmissão dogmática da doutrina (na qual todo o interesse consiste em preservar a tradição autêntica) encontramos uma tradição crítica da doutrina. Algumas pessoas começam a fazer perguntas a respeito da doutrina, duvidam da sua verdade, da sua veracidade.
A dúvida e a crítica existiram certamente antes disso. O que é novo, porém, é que a dúvida e a crítica tornam-se agora, por sua vez, parte da tradição de escola.”
Karl Popper, “O balde e o holofote” (apêndice), in: Conhecimento objetivo, São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1974.
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